Doze de Setembro de 2024 marcou o centenário do nascimento de Amílcar Cabral. O Governo de Cabo Verde e o MpD, o partido que o sustenta, promoveram energicamente o apagamento social e político da data.
Recusaram qualquer reconhecimento formal do papel histórico de Cabral; e, paralelamente, encenaram a difamação da sua imagem, via um dilúvio de opiniões negativas nas redes sociais, e artigos enviesados nas publicações por eles dominadas.
Falharam redondamente! A sociedade civil Cabo-verdiana é notoriamente apática: é patologicamente covarde na expressão das suas opiniões; e dificilmente se organiza para fazer acontecer o que quer que seja. No entanto, desta vez, celebrou efusivamente o centenário, com uma profusão de atos espontâneos e eventos de alto gabarito.
A garra com que a sociedade inteira se lançou na celebração de Cabral deveria esclarecer os nossos governantes sobre a importância cultural que lhe é atribuída; e alertá-los sobre os perigos de contrariar esta torrente de opinião pública favorável, tão perto das próximas eleições.
Mas a cúpula do MpD demonstra sistematicamente a sua incompetência política. Investe horrores de dinheiro público para garantir os seus interesses eleitorais; mas é incapaz de investir de forma inteligente.
Parte do problema é a mediocridade lamentável da liderança do partido. Entre 2001 e 2016, durante três mandatos, o PAICV ocultou habilmente o egoísmo da sua governação; e os interesses privados da sua cúpula. Já para o MpD, o véu caiu num par de anos.
Mas para além da mediocridade colectiva do partido, existe uma fixação doentia entre a sua velha guarda, que é cegamente perpetuada pela atual liderança.
Desde a sua criação em 1990, o MpD construiu a sua identidade sobre a destruição da imagem do anterior partido único; sobre a ideia de que tudo o que estivesse a ele ligado estava ideologicamente contaminado. Se Cabral constitui o maior ativo simbólico do PAICV, então deve ser apresentado como seu maior passivo.
A falácia aqui é a ligação artificial entre Cabral e o PAICV.
Amílcar Cabral foi assassinado antes da constituição do estado cabo-verdiano; e muito antes da transmutação do PAIGC em PAICV. Não detém qualquer responsabilidade política pelos abusos que foram efectivamente cometidos pelo partido único sob a liderança de outrem.
Mas assim como o PAICV tenta deificar Cabral e projectá-lo como SUA propriedade histórica; o MpD tenta vilificá-lo, atribuindo-lhe a responsabilidade pelos erros dos seus sucessores.
Esta postura vergonhosa é ditada por interesses políticos – mas, sobretudo por despeito: pelo contraste violento entre o reconhecimento global do génio de Amílcar Cabral e a mediocridade paroquial dos seus detractores.