Em Março de 2021, os alshababis, como são conhecidos pela população da costa de Cabo Delgado, realizaram um ataque à vila sede de Palma, no Nordeste da província. Nos meses que se seguiram, registaram-se diversos confrontos entre o exército moçambicano e a insurgência armada.
Grande parte da população refugiou-se nas matas, perto das respectivas machambas e, posteriormente, seguiram o apelo das forças armadas de Moçambique, procurando protecção na proximidade dos respectivos quarteis.
Fortemente pressionados e com dificuldades de acesso a armamento e logística, as forças armadas de Moçambique não estavam preparadas para uma guerra de guerrilha. Sem domínio das línguas locais, os soldados não conseguiam distinguir um guerrilheiro de um camponês ou de um pescador. Neste cenário, estiveram reunidas todas as condições para o excesso de zelo que se seguiu. Na prática, qualquer aldeão que apresentasse uma cicatriz, um smartphone ou valores monetários era suspeito de constituir um terrorista. Os relatos das populações acerca desse período são ilustrativos. De acordo com as mesmas, “estas matas são cemitérios”.
É neste cenário que muitos aldeões narram o episódio dos contentores. De acordo com as testemunhas, mais de cem indivíduos suspeitos foram detidos e concentrados dentro de contentores localizados no cruzamento de Afungi, em frente à entrada da Mozambique LNG, localmente conhecido por 4 caminhos. De acordo com os relatos, a maioria dos detidos nunca regressou às suas casas. A história foi narrada pelo jornalista Alex Perry publicada no jornal Político. Cerca de um ano após a publicação da reportagem, a PGR anunciou a abertura de uma investigação. Mas até hoje, em Palma, ainda nem existe procurador.
Os relatórios dos consultores contratados pela TotalEnergies são omissos em relação a este incidente. De forma cândida e astuta, os responsáveis da companhia não negam a situação, mas alegam que não existem evidências, talvez seguros de que uma investigação da PGR não os irá embaraçar. Percebendo o desinteresse em desenterrar o assunto, e conscientes do real valor de uma vida humana, líderes locais comentam: “Parece que morremos gatos”.
Entre os sobreviventes consta a história de uma senhora grávida de 9 meses, que terá dado à luz nos contentores, com o apoio de outros detidos. Dias depois terá sido assistida por um enfermeiro militar e levada para Quitunda, a vila de reassentamento construída pela Total, onde foi assistida por uma agência humanitária. De acordo com os relatos o menino ainda vive. E transporta consigo a alcunha de Quatro Caminhos. A alcunha do menino contém a memória da guerra. Aquela que as autoridades não querem lembrar.