São Vicente e um Brasilim – a famosa canção carnavalesca, popularizada por Cesária Évora – coloca as raizes do Carnaval Mindelense no Carnaval Brasileiro; e utiliza a relação entre os dois eventos como metáfora para a nossa profunda afinidade com a cultura brasileira.
Os Cabo-verdianos sentem-se ligados ao Brasil por fortes laços históricos, culturais e afetivos: tivemos um colonizador comum, temos componentes étnicas comuns, e uma língua herdada partilhada; consequentemente, a vasta produção artística e cultural brasileira é perfeitamente inteligível para a psique e para a sensibilidade Cabo-verdiana.
Por outro lado, o Brasil é o inverso de Cabo Verde: um país continental; uma das maiores economias do atual Sul global; e uma referência cultural centenária, a nível mundial. Mas para além deste abismo estrutural que nos separa do Brasil, vivemos, no presente, dois momentos radicalmente diferentes.
Depois do Impeachment de Dilma Roussef, da vitória divisiva de Jair Bolsonaro em 2017 e da prisão de Lula da Silva em 2018, a polarização política no país elevou-se ao rubro.
Em 2022, a vitória de Lula no segundo turno das presidenciais, por uma margem estreita, confirmaria que o país continuava violentamente dividido – aliás, como viriam a demonstrar os desígnios golpistas dos apoiantes de Bolsonaro, que colocaram a própria sobrevivência da democracia Brasileira em questão.
Mas no final, a democracia fez-se respeitar: as forças antidemocráticas foram neutralizadas, os infractores foram castigados e a agenda de justiça social foi retomada. Hoje, imperam expectativas renovadas sobre o futuro do Brasil.
Para além disso, reina o orgulho sobre a posição política de relevo que o Brasil tem assumido no palco global. No seu discurso incendiário na Assembleia Geral das Nações Unidas, Lula denunciou a cumplicidade ocidental com o genocídio em Gaza, denunciou o mito da superioridade ética do Ocidente e afirmou que, apesar da ingerência de potências estrangeiras, a soberania e a democracia brasileiras não são negociáveis.
Em Cabo Verde, vivemos o oposto. A confiança no futuro é baixíssima, a maioria esmagadora das lideranças políticas encontra-se em colapso moral, e as expectativas defraudadas de desenvolvimento amontoam-se em todos os sectores da economia e da administração.
O sentimento generalizado é de anomia. Não se entrevê uma saída para o impasse social e económico em que nos encontramos; e apesar do culto prestado à democracia, os cidadãos que desistiram da participação eleitoral quase igualam em número aqueles ainda professam alguma esperança no sistema.
No plano internacional, a nossa dependência na ajuda externa leva-nos a ignorar sistematicamente as exigências da moralidade e da credibilidade.
Por exemplo, em Dezembro de 2023, dois dias depois da nossa segunda vergonhosa abstenção sobre o genocídio de Gaza – o governo anunciou a atribuição, pelos Estados Unidos, de um importante pacote de ajuda externa.
A esperança e o orgulho que caracterizam o presente ânimo brasileiro já foram conhecidos por nós no passado, em mais do que um momento. Mas o Cabo Verde economicamente estagnado e eticamente falido que temos hoje não consegue, obviamente, motivar qualquer orgulho ou esperança na sua população. E é quase certo que este abandono emocional do país só agudizará o fosso em que nos encontramos.