Um discurso frequentemente repetido em Moçambique, desde o tempo colonial, realça a ideia que o moçambicano é pacífico, e que só se revolta quando é atiçado por terceiros, vulgo por uma mão externa. Nesta perspectiva, salienta-se a passividade das populações (sobretudo rurais) e o seu conformismo relativamente à autoridade, mas também a elevada distância hierárquica imposta nas relações sociais. É verdade que a participação na vida associativa e os processos de tomada de decisão estão condicionados a factores como o parentesco, o género ou a idade, sobretudo nas zonas rurais, pelo que a vida associativa tende a ser organizada verticalmente e de acordo com lógicas patriarcais, o que tende a ser amortecedor de conflitos. As situações de pobreza e o envolvimento das populações na sobrevivência diária limitam o tempo disponível para o associativismo. As inúmeras assimetrias sociais e o atrofiamento das classes médias dificultam a formação de um grupo informado, bem como a afirmação movimentos sociais fortes. Por outro lado, ao invés de promover a negociação não violenta, o partido no poder adopta, como estratégia, a absorção, neutralização ou exclusão dos adversários, boicotando ou intimidando inúmeras iniciativas políticas da oposição. Inevitavelmente, o partido no poder acaba por se confundir com o Estado e, inclusive, com a própria sociedade. Neste contexto tende a desenvolver-se um clima de medo em relação às autoridades, reforçando-se uma cultura política de súbdito, conjugada com moldes paternalistas e clientelistas.
Este mito do moçambicano pacífico não deixa de contrastar com a realidade. Nos últimos 60 anos, o país estave mais de metade do tempo em guerra, com três conflitos armados sanguinários, responsáveis por milhões de mortes e deslocados, que deixaram profundas feridas no tecido social. Pelo país fora assistem-se a motins e catarses populares, em resultado do aumento do preço de bens essenciais, de conflitos pelo acesso a recursos naturais ou como reacção a epidemias de cólera. Mesmo nas províncias mais pacíficas, são comuns os linchamentos populares por motivos de feitiçaria.
Esta dicotomia, do moçambicano pacífico ou violento, pode ser expresso no panamorama musical moçambicano, através das músicas de McRoger e Azagaia. Cantando “Patrão é patrão, não faz confusão” MC Roger ostenta, nos video clips e perante funcionários, luxuosos bens de consumo, simbolicamente valorizados, legitimando as desigualdades sociais. No outro extremo, Azagaia cantava “Povo no Poder” onde contestava o sistema de relações sociais, a ostentação não produtiva e a exploração social dos mais desprotegidos. Surgindo no contexto das manifestações de 2008 e de 2010 em Maputo, a música é hoje o hino de uma juventude em protesto, sobretudo durante as manifestações pós-eleitorais.