Até finais da década de 1980, o cabo-verdiano quase não gerava lixo: a sociedade maioritariamente camponesa produzia grande parte daquilo que consumia; do pouco que se comprava, muito era a granel; os restos orgânicos eram re-aproveitados na alimentação de suínos; e quando alguma embalagem chegava ás mãos do cidadão, ela era cuidadosamente guardada e reutilizada até á exaustão.
Em apenas algumas décadas, passamos desse contexto para uma realidade de supermercados e comércio chinês a cada esquina. Ao contrário do norueguês, o pobre Cabo-verdiano não teve tempo suficiente para se adaptar naturalmente á gestão dos seus resíduos.
Mas apesar da insuficiência urbana da nossa população, a obrigação de conceber, organizar e fiscalizar os serviços de saneamento é da edilidade. Infelizmente, a cidade da Praia não tem usufruído de uma gestão à altura dos seus desafios.
Entre 2000 e 2008, a gestão do saneamento por Felisberto Vieira foi desastrosa; aliás, a elegibilidade de Vieira assentava exclusivamente na conexão populista que o edil mantinha com os munícipes.
Entre 2008 e 2016, os dois mandatos de Ulisses Correia e Silva representaram um melhoria apreciável na qualidade urbana da capital. Mas com a ascensão de Silva a Primeiro Ministro, e a vitória posterior de Francisco Carvalho em 2020, a gestão do saneamento entrou novamente em derrocada.
Zé Tchoco – que pode ser traduzido por Zé Porquinho – é um personagem de uma animação educativa clássica da televisão nacional, que visava alertar a criançada sobre os perigos de manusear o lixo.
Foi uma das inúmeras tentativas do estado de educar a população para a salubridade e a convivência urbana. Mas para uma população tão sub-urbanizada, a edilidade teria que demonstrar muito mais visão; e, fundamentalmente, teria que impor medidas correctivas muito mais rigorosas ás infracções – um risco eleitoral que os nossos demagogos não estão dispostos a correr.
A complexidade da capital aumenta dia-a-dia; mas a capacidade de gestão do saneamento pela administração de Francisco Carvalho só diminui; e a situação da recolha do lixo na capital tem sido nada menos que lastimável.
Carvalho é alvo, justamente, de ataques constantes sobre a degradação do saneamento sob sua gestão. Por outro lado, este ataques atingem-lhe apenas parcialmente, pelo simples facto de Carvalho já não ser visto como Presidente da Câmara Municipal da Praia – e sim como candidato á chefia do governo.
Receosa da popularidade de Carvalho, a Maioria insiste febrilmente que quem gere tão mal uma cidade não poderá gerir bem o país. No entanto, ter sido um bom edil não impediu Ulisses Correia e Silva de ser um Primeiro Ministro medíocre; ou que a sua administração municipal tenha deixado uma trilha posterior de acusações de corrupção.
Carvalho pode bem beneficiar desta ampliação da sua imagem, enquanto líder partidário e futuro candidato nacional; mas deveria antes honrar o compromisso que assumiu com os munícipes apenas em dezembro passado; e lembrar-se que o saneamento é uma das suas atribuições centrais.
O que Carvalho não parece compreender é a oportunidade eleitoral que uma gestão adequada do saneamento lhe poderia proporcionar. Primeiro, porque neutralizaria o argumento favorito dos seus opositores; segundo, porque comprovaria uma capacidade acrescida de gestão – capaz até de arrancar alguns eleitores ás nossas altíssimas taxas de abstenção.