Num discurso proferido durante a semana passada, Daniel Chapo referiu-se às denúnicas de violações de direitos humanos cometidas pelas Forças de Defesa e Segurança em Cabo Delgado, classificando-as de “desinformações” e de “manipulação da opinião pública”. Não obstante os relatórios não serem conhecidos, o Presidente da República sustenta-se nas investigações realizadas pela Comissão Nacional de Direitos Humanos e pela PGR que, segundo o mesmo, “demonstraram de forma clara e inequívoca que essas violações não constituem verdade”.
Esta reacção de Chapo enquadra-se numa longa tradição do governo em Moçambique de negação da violência do Estado central sobre a população. No tempo colonial, massacres e abusos cometidos pela tropa colonial (como Wiriyamu ou Inhaminga) foram na época negados pelo governo, não obstante as repercussões internacionais que chegou a ter Wiriyamu , agravando o isolamento do regime.
No pós-independência, os assassinatos de dezenas de divergentes políticos em M`telela foram mantidos em segredo durante anos. A violência nos centros de reeducação ou os massacres cometidos pela tropa governamental sobre as populações, foram geralmente negados ou atribuídos à Renamo, ela própria com amplo histórico de violência e destruição.
Já após o Acordo Geral de Paz o governo adoptou uma atitude evasiva sobre as causas da morte de dezenas de apoiantes da Renamo nas prisões de Montepuez ou de Monjincual. Os massacres cometidos pela Unidade de Intervenção Rápida sobre garimpeiros nas minas de Montepuez ou as cargas policiais em Moatize e Inhassunge foram geridas sob o signo do silêncio. Durante as mais recentes manifestações pós-eleitorais, inúmeros vídeos demonstram elementos da Unidade de Intervenção Rápida a disparar sobre manifestantes, como se de tiro ao alvo se tratasse, em plena capital do país e perante jornalistas internacionais.
Durante o conflito em Cabo Delgado a Human Rights Watch ou a Amnistia Internacional documentam violações do direito internacional humanitário, incluindo crimes de guerra, por todos os intervenientes no conflito. Jornalistas como Alex Perry descrevem o massacre de dezenas de cidadãos nas áreas em redor da península de Afungi, onde está localizado o projecto Mozambique LNG. No terreno, inúmeras aldeões e até elementos da Força Local relatam abusos cometidos sobre as populações, realizados quer pelos insurgentes que por elementos das forças de defesa e segurança. O vídeo de um assassinato de uma mulher nua, pelas costas, por parte de indivíduos falando em português do centro e Sul de Moçambique, trajando uniforme das FADM, terá constituído um dos episódios mais embaraçosos para o governo de Moçambique, prontamente negado pelas autoridades. O conflito está repleto de atitudes brutais de elementos das FDS, geralmente mal preparados para enfrentar uma guerra de guerrilha, eles próprios também vítimas do conflito. “Excesso de zelo” tornou-se o eufemismo utilizado para designar a brutalidade do Estado sobre as populações.