Durante a última semana, a vox populi moçambicana andou entretida com o anúncio, por parte do governo, da aquisição de 100 tractores e outros tantos atrelados, para transporte de passageiros.
Em reacção, inúmeros internautas criticarem a degradação das infraestruturas viárias e das condições de transporte: de machibombos para carrinhas de caixa aberta (vulgo my love, uma vez que os passageiros se têm de agarrar uns aos outros para não caírem, e agora para atrelados puxados por tractores). Outros elogiavam a iniciativa do Estado para colmatar necessidades do mercado e prestar um serviço público às populações mais desfavorecidas.
Há muito que o Estado se vem demitindo de funções de Estado. No início do século, o controlo das alfândegas foi adjudicado a uma empresa privada denominada de Crown Agents. Dez anos depois, o Ministério do Interior acordou com uma empresa privada (Semlex) a emissão de passaportes e documentos de indentificação. Em Namanhumbir, distrito de Montepuez, foi uma empresa privada de advogados (a Leigh Day), sedeada em Londres a investigar violações de direitos humanos cometidos pela Unidade de Intervenção Rápida, sobre camponeses e garimpeiros, perante a passividade da procuradoria distrital. Em Moatize, Palma, Montepuez, Inhassoro são empresas extractivas com beneficios fiscais que constroem escolas e unidades sanitárias, no âmbito de iniciativas de responsabilidade social. No Nordeste de Cabo Delgado, o exército e a polícia de um país estrangeiro garantem a segurança do território e das populações. É uma empresa petroleira que constroi estradas e facilita na emissão de bilhetes de identidade e números de contribuinte… Em Palma, onde se anuncia um investimento de 24 mil milhões de dólares num projecto de gás, não existe um procurador, um juiz, um estabelecimento prisional ou uma conservatória.
É o mesmo Estado que se demite da sua responsabilidade em funções de Estado, que adquire tractores e presta serviços de transporte de passageiros. Este paradoxo pode ser explicado a partir da economia política das contratações públicas. A história é féritl em situações em que um privado, ou o respecto intermediário, se apresenta a um membro do governo com um pacote completo: um problema identificado, as especificações do equipamento ou serviço para solucionar o problema, o estudo de viabilidade triunfalista, o crédito e uma comissão, conhecida por success fee. Em virtude dessa comissão, o assunto é tratado sem consulta pública e comunica-se à imprensa a ideia fantástica e paternalista. Invariavelmente, a implementação não corre como idealizado e, em poucos anos, os equipamentos transformam-se em sucata. O novo ministro desmarca-se do projecto e o novo chefe de Estado alega que existiam ratos no governo, mas que agora tudo vai ser diferente. Entretanto novos lobbistas vão agendando novos encontros privados nos gabinetes ministeriais. Acumula-se dívida e ninguém é responsabilizado. A verdade é que não conseguindo emprego no sector privado ou nas ONGs e com baixos salários, os quadros ministeriais demonstram apetite por negócios privados com o Estado, em esquemas rendeiros e comissionistas.