Durante o período colonial, a produção de vinho estava concentrada na metrópole. Incapaz de competir com os mercados europeus e de consumir toda a produção vinícola, a ideia encontrada foi de escoamento do vinho para as colónias. A estratégia apresentava várias vantagens. Como se referia na época, “beber vinho era dar de comer a um milhão de portugueses”, pelo que se assegurava a sobrevivência de agricultores pobres metropolitanos.
Em segundo lugar, constituía uma forma dócil de promover a integração dos negros nos mercados, incentivando-se a produção agrícola para venda nas cantinas, e aquisição do garrafão de vinho barato, dinamizando o comércio rural. Por fim, alienavam-se politicamente as populações. Era a estratégia “vinho para o preto”, como foi definido por José Capela, na sua análise da exportação do vinho para África.
Reza a história que, na sua primeira visita de Estado a Portugal, durante um cocktail organizado por Ramalho Eanes, Samora Machel terá ironizado, com o humor provocatório que lhe era habitual: “Oh Eanes pá! vocês afinal têm bons vinhos”.
Já no novo milénio, uma nova onda de bebidas baratas foram disponibilizadas aos moçambicanos. Destacam-se as populares bebidas destiladas, vulgo xivotxongo, que permitem que milhares de jovens suburbanos se embebedem com 20 meticais. Ficou célebre a iniciativa do 3 x 100, em que por 100 meticais se adquiriam 3 garrafas de cerveja de meio litro, despoletando as sextas-feiras loucas, as chamadas noites dos homens. Na verdade, o xivotxongo, ou o 3 X 100, constituem a versão pós-colonial do vinho para o preto: mantém-se a juventude urbana alienada, perdendo a consciência revolucionária.
Trata-se daquilo que Marx designaria de lumpen proletariado. Do alemão, lumpen significa trapo, ou farrapo. Esta metáfora designava os estratos mais baixos da classe trabalhadora industrial, incluindo os miseráveis, vagabundos e criminosos. Para Marx este estrato social não dispunha de uma consciência política amadurecida, tendendo até a ser facilmente manipulado ou subornado por forças reacionárias.
Contudo, durante as manifestações pós-eleitorais de Maputo, constatou-se que lavadores e arrumadores de carros, adolescentes sem abrigo (molwenes), consumidores de bebidas destiladas (xivothxongo) e outros indivíduos que sobrevivem nas ruas estiveram particularmente activos nos protestos.
Um testemunho de um jovem manifestante tornou-se viral nos grupos de WhatsApp. Revoltado, o jovem referia para as câmaras o seguinte: “Moçambicano está com fome deve beber. Está feliz deve beber. Perdeu um membro da família deve beber. Foi expulso do serviço deve beber. Estamos cansados de Mac Mahon. Senhor, se você faz algo ficas a saber, moçambicano não quer mais bebida. Queremos cachimbo da paz. Para conseguir ver. Queremos morrer a saber que demos liberdade ao nosso país”. Longe de terem o efeito de alienação da juventude, as bebidas alcoólicas constituíram como que a vacina naparama, com a qual uma juventude sem armas enfrentou as balas da polícia.
Incapaz de promover reformas estruturais, não podendo eliminar toda esta população (a que se habituou a chamar de “vândalos”), o governo continua a repetir slogans vazios, com apelos à paz ou ao trabalho.