Em Fevereiro de 2020, Selemane (nome fictício), um adolescente franzino de 15 anos, deslocou-se a Ntotoe, uma aldeia a 17 km de Mocímboa da Praia, para visitar o seu pai. A aldeia foi atacada por alshababs e Selemane foi capturado e levado para uma base de acolhimento.
Juntamente com outros jovens foi colocado numa madrassa, intercalando o estudo do Alcorão com treino militar. Revelando determinação e bravura, ao fim de alguns meses foi-lhe dada a sua primeira missão de combate. Com o tempo pediu autorização para casar e escolheu uma jovem menina de nome Mariamo (nome fictício), também ela raptada. Selemane tinha 16 anos. Mariamo tinha 12. Na verdade, grande parte do que é feito em tempo de guerra, não deixa ser aceite em tempos de paz.
A ofensiva militar ruandesa teve um impacto na logística dos alshababs, que passaram a ter dificuldade de acesso a bens alimentares. A fome apertou e Selemane pensou em fugir. Contou o plano a Mariamo, que lhe pediu para também a levar. Mas Mariamo era frágil e Selemane receava que não aguentasse os vários dias de caminhada. Sabia que se fossem apanhados seriam punidos pelo crime de deserção, e que ambos seriam mortos. Numa certa noite partiu sem lhe dizer, caminhou pelas matas até Macomia onde se entregou às autoridades. Selemane revelou o nome do seu avô, um conhecido professor primário em Mocímboa. Após 3 meses de detenção, com interrogatórios sucessivos, o avô foi contactado e acolheu o neto, com quem vive até hoje. Nos seus momentos de exaltação, o avô responsabiliza o neto pela desgraça e destruição gerada pela guerra. Selemane defende-se com a narrativa violenta que aprendeu nas matas de Mbau. Aprenderam a viver juntos, mas o avô lamenta a inexistência de instituições que facilitem a reintegração de crianças soldado.
Questionado sobre a vida em Mocímboa da Praia, Selemane compara com a vida no mato: lá fazia ataques e conseguia o que queria. Já estava habituado à guerra e o problema era a fome. Aqui só tenho esta roupa, não tenho emprego, não tenho esposa. As competências que Selemane desenvolveu no mato pouco lhe valem.
Entretanto, a jovem Mariamo conseguiu fugir e reencontrou a família. Certo dia viajaram a Mocímboa da Praia, encontrou Selemane ao longe e chamou-o. Selemane aproximou-se e conversaram discretamente, sem que os familiares de Mariamo se apercebessem da experiência que haviam tido em comum. Era um segredo de ambos. Aquele momento de cumplicidade demonstra que gostam um do outro. Mas o pai de Mariamo não aceitaria um casamento da sua filha com um ex-guerrilheiro, ainda por cima um jovem sem capacidade económica. Quer para a sua filha um melhor casamento. Ambos enfrentam o estigma de terem vivido nas bases dos alshababs. Mas são apenas duas vítimas esquecidas deste conflito.