Ao longo da última semana, Venâncio Mondlane continuou a surpreender, realizando uma série de acções políticas pela província de Gaza, visitando Chibuto e Xai-Xai, onde foi recebido por banhos de multidão. A província de Gaza é conhecida por constituir o grande bastião do partido Frelimo, de onde são originários os primeiros presidentes do partido (Eduardo Mondlane, Samora Machel e Joaquim Chissano), onde adquire vitórias eleitorais esmagadoras, próximas ou acima dos 90%. Numa atitude claramente provocatória, neste território Venâncio Mondlane atreveu-se a anunciar o projecto de criação do seu próprio partido.
A verdade é que os resultados eleitorais em Gaza estão longe de reflectir o sentimento da população, mas cada vez mais a máquina de controlo do partido Frelimo. Historicamente dependente da economia da África do Sul e de Maputo, para onde emigra grande parte da juventude, a população de Gaza há muito que se ressente do desemprego e da falta de apoios a actividades económicas. A constituição de minas de areias pesadas em Chibuto e de um porto de águas profundas em Chongoene, expropriaram centenas de camponeses das suas terras, sem vantagens imediatas para a população. A construção do aeroporto internacional em Chongoene, afectou centenas de camponeses, mas apenas realiza um voo semanal e a imprensa fala de apenas 23 passageiros transportados ao longo de todo o ano de 2023. Um elefante branco de 70 milhões de dólares, sem vantagens para a população.
Já em Maputo, Venâncio mantém as suas acções políticas na rua, juntando de improviso milhares de apoiantes nos bairros peri-urbanos, onde apresenta o balanço das acções do seu governo sombra. De cariz demagogico e populista, as medidas assentam, sobretudo, na pressão para a abolição de taxas e portagens ou redução do custo de bens essenciais (por via administrativa e não do mercado), como água, energia ou cimento. O discuro vai ao encontro das necessidades imediatas de sectores da população que vive no limiar da pobreza, devolvendo basicamente o que lhes resta: a esperança. Se este discurso serve para manter a pressão do protesto popular sobre o governo, a realidade é que continua a promover a instabilidade política no país, mantendo os investidores apreensívos e dificultando a governação.
A realidade é que o executivo e a assembleia da república enfrentam uma grande ilegitimidade. As estatísticas eleitorais apontam para uma taxa de abstenção na casa dos 56%. Nas ruas, o grande apoio popular vai para um candidato sem partido político ou assento parlamentar. Ao contrário de Venâncio Mondlane, não são conhecidas visitas dos deputados da assembleia da república às vítimas dos baleamentos pela polícia durante os protestos, às milhares de escolas deste país onde as crianças estudam debaixo das árvores, às unidades sanitárias onde os desmotivados funcionários da saúde enfrentam duras condições de trabalho. À luz da percepção popular, os deputados não representam as populações que os elegeram, mas os seus próprios interesses individuais e partidários.
A constituição de um partido político por parte de Venâncio Mondlane poderá constituir uma forma de transferir a luta das ruas novamente para as instituições. Resta saber que obstáculos o sistema vai colocar à formalização de uma agremiação política incómoda ao status quo, não só à Frelimo, como aos restantes partidos da oposição. A experiência demonstra que, no esforço de manutenção do poder e dos privilégios, todos os meios são possíveis. A política em tempo de paz sempre constituiu a continuação da guerra por outros meios.