O Kriol Jazz Festival é um dos eventos musicais mais prestigiados do país. Ao contrário dos festivais populares – como Baía das Gatas, Gamboa e Santa Maria – destina-se essencialmente às elites nacionais. Grandemente pelo conteúdo; mas sobretudo pelo preço dos bilhetes, fora do alcance das massas.
A Câmara Municipal da Praia é um dos principais parceiros do evento; e neste ano de eleições, a participação financeira do município ainda não foi disponibilizada.
Os promotores dizem compreender a demora operacional. O que gerou celeuma foi a forma alegadamente arrogante como o edil da Praia enquadrou o problema e pareceu denegrir um evento muito caro à sociedade mais privilegiada.
Nos últimos anos, houve uma inflexão no entendimento popular das elites. Anteriormente, o Cabo-verdiano médio podia reprovar esta ou aquela clique política, mas tinha um respeito generalizado pelas elites sociais; e, normalmente, ambicionava integrá-las.
A partir do último mandato do PAICV, sensivelmente, o público passou a ressentir-se das elites nacionais; a considerar que a boa vida da classe dirigente era feita à custa dos recursos públicos e dos interesses colectivos. Na época, o movimento MAC#114 deu grande visibilidade ao sentimento.
Esta atitude consolidou-se após a vitória do MpD em 2016. Neste momento, está rompante; e marca profundamente a disputa política no país e as disputas internas nos dois partidos do arco do poder.
No MpD, após o desaire das autárquicas, não houve um desafio viável à cúpula reinante. Paulo Veiga – o único pretendente aparente – surgiu de um cantão ainda mais entrincheirado no privilégio; e a sua investida tímida pela liderança terminou em fracasso.
Já no PAICV, o ressentimento contra a elite encontrou reflexo em Francisco Carvalho.
Em 2020, a vitória de Carvalho criou tensão imediata. De militante desconhecido, passou a ocupar o pódio mais visível do PAICV; e, obviamente, a perturbar os planos de continuidade das elites tradicionais do partido.
A sua segunda vitória e presente candidatura à liderança ampliaram exponencialmente o perigo que Carvalho representa para a as velhas elites do PAICV.
Ao longo do seu primeiro mandato, estas negaram-lhe apoio sistematicamente. Agora mobilizaram-se em torno de Nuias Silva, seu adversário na corrida à liderança, cujo discurso é de “continuidade”.
Infelizmente, a concentração dos perdedores das duas últimas legislativas no campo de Silva parece indicar que a aposta na continuidade não é a mais acertada
Carvalho está ciente da vantagem que o populismo de ruptura lhe concede na presente conjuntura; e parece ter feito as suas contas.
No entanto, não pode esquecer-se do seguinte: é possível ganhar eleições sem o apoio das elites burocráticas e profissionais; mas não é possível governar sem elas.
Fingir o contrário não passa de populismo barato – que normalmente caracteriza quem quer mandar, mas não tem intenções de governar.