Durante o Estado Novo, a realização de marchas em Moçambique esteve profundamente dependente de lealdade política ao regime. O Estado fascista e corporativo impedia a realização de toda e qualquer manifestação incómoda ao poder. As greves eram profundamente reprimidas e, manifestações públicas de protesto, terminaram em massacres das populações.
No pós-independência, a Frelimo afirmou-se como a força motora do Estado e da sociedade e estendeu todo o aparelho do partido pelos locais de trabalho e quarteirões habitacionais. Com vista à mobilização popular, formaram-se organizações de trabalhadores, de mulheres ou de jovens, funcionando como um canal entre o governo e os cidadãos. Na prática, funcionou como um mecanismo de controlo da população urbana, que havia estado mais exposta à propaganda colonial, mas também mais irreverente para com a disciplina militar da Frelimo, que nachingweizava a sociedade. As manifestações públicas continuaram a constituir encenações políticas dirigidas pelo poder central, para justificar tanto as medidas governamentais, como os respectivos fracassos.
Particularmente progressista, a constituição de 1990 consagrou o direito à liberdade de reunião e de manifestação. A partir de então, Moçambique familiarizou-se com uma realidade até antes impensável. Ex-emigrantes na Alemanha oriental, vulgo madgermanes, passaram a realizar marchas de protesto pela cidade de Maputo, todas as quartas-feiras. Até hoje, os madgermanes reivindicam o pagamento de parte do salário auferido na Alemanha durante a década de 1980, e retido pelo governo de Moçambique. Estas marchas de protesto ficaram famosas pelo tom assertivo dos manifestantes, que acusam directamente os governantes e o partido no poder de ladrões e de corruptos.
Contudo, exceptuando a grande marcha organizada em 2013 em cidades como Maputo e Beira em protesto contra a onda de raptos no país, a maioria das tentativas de organizações de desfiles de protesto são impedidas pelas autoridades policiais. Nos últimos anos, qualquer marcha incómoda ao governo, mesmo quando segue todos os trâmites legais, é impedida no terreno pela polícia, simplesmente alegando “ordens superiores”. Os manifestantes que contrariam as instruções são reprimidos pela Unidade de Intervenção Rápida, com uso de força largamente desproprocional.
Exceptuam-se as marchas organizadas por entidades afectas ao partido Frelimo, geralmente de saudação ao governo, contando frequentemente com apoio logístico do Estado ou protecção das forças de segurança.
Os escrutínios eleitorais constituem o grande momento onde a população é convidada a participar, podendo descarregar nas urnas o seu descontentamento em relação aos problemas sociais. Contudo, as sucessivas manipulações dos processos eleitorais desencadearam uma frustração no seio da população.
A história ensina-nos que, quando são eliminados os espaços de participação social (sobretudo aqueles previstos na constituição), a mensagem que se transmite aos cidadãos é que a violência constituiu o único espaço possível de participação. Foi essa a conclusão dos manifestantes pós-eleitorais. Foi essa a conclusão da Frelimo, quando iniciou a luta de libertação nacional.