Na sessão parlamentar comemorativa dos 50 anos de Independência, Celso Ribeiro, líder parlamentar do MpD, fez um discurso que revoltou a Nação — inclusive os elementos mais inteligentes da sua organização.
Segundo Ribeiro, Cabo Verde deve a Independência aos Capitães de Abril. O PAIGC — fundado por Amílcar Cabral, vencedor de uma longa e violenta guerra colonial — limitou-se a usurpar o poder. Monopolizou malignamente o processo de descolonização, excluindo outras forças políticas, como a UDC e a UPIC.
Para Ribeiro, o 5 de Julho é uma data ambivalente: assinala a Independência, mas também o início de uma “injusta e injustificável ditadura de partido único”.
Ribeiro acredita que o PAIGC/PAICV deve um pedido de desculpas à Nação, assim como reparações às vítimas do regime.
As falácias da intervenção de Ribeiro, para além de numerosas, são extraordinariamente grosseiras:
- Primeiro, a Independência não nos foi oferecida; ela foi duramente conquistada. O 25 de Abril foi a resposta dos comandantes militares portugueses à impossibilidade de continuar a guerra.
- Segundo, quem forçou os portugueses a reconhecer, pela força das armas, o direito à soberania da Guiné e Cabo Verde foi o PAIGC – não a UDC ou a UPIC. Seria utópico acreditar que uma organização vitoriosa dividiria o terreno com duas forças incipientes, que sequer foram reconhecidas pelo adversário. A política é feita de realismo, não de fantasia.
- Terceiro, o regime de partido único não aconteceu num vácuo; foi produto de dinâmicas históricas transversais, e implementado na maioria dos estados africanos pós-coloniais.
Ribeiro revela uma ignorância de realidades históricas preocupante em qualquer cidadão, mas assustadora num dirigente político. Será o seu problema uma insuficiência intelectual, estribada numa ignorância sincera da História? Ou será uma insuficiência ética que, mesmo ciente da falácia, o leva a insistir na sua reprodução — por conveniência política?
Seja qual for, o verdadeiro problema é a cegueira estratégica da sua organização. Numa atualidade cansada do banditismo e da corrupção de supostos democratas, muitos africanos romantizam personalidades como Amílcar Cabral e Thomas Sankara — aliás, como revela a espantosa popularidade do militar Ibrahim Traoré.
Não parece que, neste momento, seja produtivo tentar criminalizar personalidades políticas que são globalmente reconhecidas como os pioneiros da nacionalidade.
Na intervenção que se seguiu, Austelino Correia — presidente da Assembleia — para além de honestidade histórica e intelectual, demonstrou muito mais inteligência política e recusou-se a seguir a linha incendiária de Ribeiro.
Caracterizou a Independência como uma conquista nossa; reconheceu Cabral como o protagonista central do processo; e professou alegria, patriotismo e elevada consciência histórica na celebração deste marco da afirmação do nosso povo.
Já em 2023, quando o MpD chumbou o projecto de celebração oficial do centenário de Amílcar Cabral, Correia demonstrou ter o bom senso que falta ao seu partido, afirmando que o país precisa de abordar a sua História com verdadeira cultura democrática. Talvez o MpD fizesse bem em encarregá-lo da estratégia do partido para as próximas eleições.