Por estes dias, e tomando em consideração as declarações tornadas públicas pelos principais intervenientes políticos de São Tomé e Príncipe (STP), uma das questões que muitos cidadãos são-tomenses têm colocado é a de saber se faz sentido uma revisão constitucional nesta altura.
Ora, por entre os vários comícios políticos-constitucionais que todos temos vindo a assistir, desde que o Primeiro-ministro e Chefe do Governo de São Tomé e Príncipe resolveu, finalmente, tornar pública a sua visão de mundo sobre aquele que poderá ser o melhor sistema de governo para STP, creio, assim como a maioria dos são-tomenses, que o anúncio do Primeiro-ministro goza de pelo menos um beneficio: a opinião tendencialmente unânime de que, de facto, a nossa Constituição da República carece, com alguma urgência, de uma revisão!
Nesse sentido, um ponto prévio antes qualquer discussão a respeito da pretensão de se aproveitar a revisão da Constituição para se instituir um novo sistema governo prende-se com a necessidade de todos juntos, enquanto sociedade, debruçarmo-nos sobre o estado atual da saúde da nossa Constituição. Seria fundamental ainda que os partidos políticos com representação parlamentar buscassem, através de um diálogo sério, discutir a conveniência ou não de uma eventual revisão constitucional, para assim melhor identificar as principais áreas em que a próxima revisão constitucional deverá incidir, no sentido de adaptá-la ao contexto atual da vida social, económica, política e jurídica do sociedade são-tomense.
Buscar compreender qual o sentido e a necessidade de uma revisão constitucional parecem-me extremamente importante para que, preventivamente, seja possível avaliar as limitações que a Constituição vigente impõe ao bom funcionamento do Estado e das suas instituições e, ao mesmo tempo, clarificar o tipo de melhorias que se pretende implementar, para que no futuro haja um verdadeiro compromisso com texto constitucional. Infelizmente tem faltado, por parte de vários órgãos de soberania do nosso país, um verdadeiro compromisso em cumprir de facto a Constituição da República.
A prova disso são os inúmeros casos, escândalos e constantes atropelos de regras e princípios previamente estabelecidos na Constituição em vigor, e que, infelizmente, as instituições com responsabilidade pelo controlo jurisdicional têm-se mostrado, ao longo de vários anos, totalmente incapazes de vigiar e proteger o texto constitucional de alguns ataques. A título de exemplo, veja-se o modo como o Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal de Justiça tomam algumas decisões cujo interesses têm tentáculos em alguns círculos políticos, potencialmente conflitantes com a causa pública.
Por isso, sem uma clarificação objetiva da nossa identidade cultural e do tipo de projeto de sociedade com o qual queremos estar alinhados para as próximas duas décadas, por mais revisões constitucionais que façamos, dificilmente conseguiremos obter uma Constituição com a qual os são-tomenses se identifiquem coletivamente. Mais difícil ainda será conseguirmos ter uma Constituição que, de facto, imponha a toda a comunidade, em particular à comunidade política, o dever de a respeitar, cumprir e fazer os seus mandamentos.
Por outro lado, não sendo despiciendo a também vontade manifestada em alterar o sistema de governo vigente para um sistema do governo presidencialista, devo dizer que, no caso são-tomense, tal intenção terá de ser devidamente discutida, analisada e ponderada junto dos principais atores políticos e da sociedade civil.
Infelizmente, a julgar pelas sucessivas mostras de que, apesar de a atual Constituição encontrar-se baseada no valor da dignidade humana e de as nossas instituições serem, ainda que do ponto de vista teórico, instituições democráticas, são inúmeras as situações reais do nosso país que já demonstraram o quão frágeis são as nossas instituições e o quão permeáveis são à intromissão indesejada de vários tipos de forças e poder.
Para mal dos nossos pecados, infelizmente, as instituições políticas são-tomenses têm falhado, por diversas vezes, na defesa efetiva da justiça, da legalidade, da coisa e da causa pública. Pontanto, a adesão a um novo sistema de governo, cuja característica mais marcantes é a concentração de poderes, deverá ser objeto de profunda reflexão sobre que papel devem as instituições operacionais do Estado ter numa democracia assente no pluralismo e na defesa e promoção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Numa altura em que o nosso país e o mundo enfrentam sérios desafios para solucionar problemas complexos de natureza socioeconómica, e em que, sem exceção, todos os discursos políticos se baseiam, cada vez mais, em técnicas resultantes de um certo maniqueísmo estrutural e de uma simplificação discursiva e propositiva, é imperativo que uma eventual revisão constitucional e alteração do sistema de governo semipresidencialista para o sistema presidencialista seja feita através do escrupuloso respeito aos limites impostos pela própria Constituição. Na mesma medida, tal decisão deverá ser fruto de um debate sério, transparente e plural sobre os custos e benefícios da opção agora ventilada.
Por último, nuclear será ainda que se encontre o maior consenso alargado para viabilizar e efetivar a revisão da Constituição e a mudança do sistema de governo.