Imagem de Eles fingem que nos pagam, nós fingimos que trabalhamos

Eles fingem que nos pagam, nós fingimos que trabalhamos

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Eles fingem que nos pagam, nós fingimos que trabalhamos

A partir de finais do século XIX, a intensificação da penetração colonial pela África Austral traduziu-se na implementação de grande projectos de plantação, mineiros, ferro-portuários ou obras públicas. Se nos contextos europeus, o rápido crescimento demográfico gerava migrações de populações rurais excedentárias para centros urbano-industriais, onde espontaneamente se assalariavam, nos espaços africanos as dinâmicas foram distintas.

Num contexto de reduzida mecanização, a implementação desses projectos coloniais só era possível através de grandes quantidades de mão-de-obra barata. Porém, as condições oferecidas nas minas ou nas plantações – em termos salariais ou de segurança no trabalho – não eram particularmente atractivas para as populações locais, quer por comparação com os contextos de origem, quer por comparação com as colónias vizinhas. A incapacidade dos portugueses compreenderem a relutância dos africanos para se assalariarem, alimentou o desenvolvimento de imagens sociais assentes na noção de africano preguiçoso, tão ou mais evidentes quando se frustravam as expectativas de oferta voluntária de mão-de-obra. Se os negros não se voluntariavam para trabalhar teriam de ser obrigados, pelo que se tinham de institucionalizar sistemas de trabalho obrigatório. Sob um ideal lusotropicalista, o trabalho passou a ser representado como símbolo de progresso e de assimilação aos costumes portugueses.

Após a independência, os discursos revolucionários de libertação do Homem e da terra não mudaram as representações sobre o trabalho. Sob um ideal modernizador e puritano, os discursos do Presidente Samora condenavam o ócio e a preguiça. Produzir era considerado um acto de militância e a produtividade um termómetro da consciência política. As reivindicações de aumento de salário num cenário de baixa produtividade eram vistas como um atentado à economia. Se a produção no período colonial era representada como assentando em relações de exploração, no período revolucionário era vista como uma forma de construção do Homem Novo. “Improdutivos” – na prática os que não conseguissem provar que trabalhavam por conta de outrém – eram deportados para zonas rurais para trabalhar em projectos Estatais.

Já no novo milénio assistiu-se a uma mudança dos discursos oficiais, e emergiram novas visões assentes na possibilidade de os povos anteriormente colonizados se poderem tornar capitalistas. Nos discursos presidenciais surgiu, com alguma regularidade, a representação segundo a qual as pessoas são pobres por preguiça e por falta de amor ao trabalho, por falta de auto-estima ou de criatividade. Num sistema em que as elites dirigentes não revelam grande pudor ao nível da acumulação e exibição pública de capital, o trabalhador passa a ser incentivado a cumprir a sua função laboral (trabalhar), independentemente da possibilidade de sobrevivência e reprodução. O apelo a favor de uma Nação trabalhadora encobre o apelo laboral em favor do engrandecimento capitalista.

Neste cenário de exploração laboral, a atitude não poderia ser outra: “Eles fingem que nos pagam. Nós fingimos que trabalhamos”.