Na semana passada tive o privilégio de participar em Dakar, no Senegal, em mais uma iniciativa do CODESRIA, o Conselho para o desenvolvimento das Ciências Sociais e Humanidades em África. O CODESRIA é uma importante organização de investigação independente, pan-africana e não governamental, que agrega investigadores africanos.
A sua criação há 5 décadas foi motivada pelo desejo de criar uma comunidade científica pan-africana autónoma capaz de interpretar as realidades africanas e contribuir para os debates académicos, públicos e políticos sobre questões africanas e globais. A investigação e a produção de conhecimentos são fundamentais para a transformação do nosso continente, e a participação de académicos e pesquisadores nestas actividades é indispensável para definir pesquisas que permitam um melhor conhecimento dos desafios que enfrentamos no continente, para que esta pesquisa beneficie o futuro de África e dos seus povos.
Neste sentido, o CODESRIA tem contribuído para a construção de uma comunidade de investigação africana, forte e dinâmica, congregando pesquisa em ciências sociais e humanas.
A iniciativa em que participei durante 5 intensos dias de actividade é a Iniciativa de Investigação sobre a Criação de Sentido um dos principais instrumentos do CODESRIA para fazer avançar a investigação no domínio das ciências sociais e humanas. Em novembro de 2023, três categorias de convites (Geral, Especial para Mulheres, e candidaturas para investigadores Seniores) foram anunciadas. De um total de quase 400 candidaturas, foram escolhidos 13 projetos de pesquisa, depois de um aturado processo de seleção, com candidaturas submetidas em inglês, francês e português, línguas de trabalho do CODESRIA. Destes projetos, 11 são liderados por mulheres e é também feminina a maioria das pesquisadoras.
O grupo final de avaliadores, do qual tive o privilégio de ser parte com mais 4 outros colegas, requereu de nós rigor académico, experiência profissional e representação geográfica e linguística. Num momento em que a cultura de consultoria domina em muitos países africanos, esta iniciativa é uma lufada de ar fresco pela chegada de jovens pesquisadores e pelos temas críticos e inovadores que se propõem estudar. A migração, alterações climáticas, género e saúde reprodutiva, conservação de recursos, questões de governação, assim como associadas aos processos de desenvolvimento são alguns dos temas que se destacaram, assinalando como os pesquisadores estão sintonizados com os problemas que marcam os nossos dias. Em breves palavras, o CODESRIA continua a apoiar o desenvolvimento de ideias de ponta e de investigação inovadora em África. Pelo contrário, a consultoria parte do princípio de que a investigação consiste em encontrar respostas para problemas definidos pelo cliente. Pensam na investigação como a procura de respostas e não como a formulação de um problema.
Esta cultura de consultoria põe em causa a pesquisa nos nossos países. Deixamos de comprar literatura fundamental porque não há financiamento. E dedicamos menos e menos atenção a ações de formação metodologica e critica nos nossos jovens estudantes. O que significa ensinar humanidades e ciências sociais num contexto em que os paradigmas intelectuais dominantes são produtos não da própria experiência de África, mas de uma experiência particular, do Atlântico norte? Está em causa não apenas a liberdade de pensar, mas a capacidade crítica de pensar a partir de várias referências, que não apenas as do Atlântico norte, para responder os problemas que nos afectam, em África e no resto do mundo.