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O bloqueio do poderoso corredor de Maputo

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O bloqueio do poderoso corredor de Maputo

Em finais do séc. XIX, a descoberta de ouro e diamantes no Transvaal (actual África do Sul), e necessidade de acesso da região ao mar, teve um impacto na transformação do Sul de Moçambique.
Capitais britânicos foram investidos na construção de uma linha de caminho-de-ferro com ligação a Lourenço Marques, e instalações portuárias.

Por este corredor económico passaram, na direcção do porto, os minérios e produção agrícola sul-africana, para exportação ou abastecimento da crescente população de origem metropolitana. No sentido inverso, circularam milhares de trabalhadores moçambicanos, a mão-de-obra abundante e barata necessária para os trabalhos nas minas e plantações na Áfica do Sul. Dezenas de milhares de moçambicanos foram anualmente contratados. Parte do salário era pago em ouro, directamente ao Estado português e, com o salário, os trabalhadores garantiam o pagamento do imposto da palhota.

O corredor de transporte constituiu um símbolo da exploração capitalista e colonial da mão-de-obra moçambicana. As reduzidas condições agro-ecológicas tornavam as províncias do Sul da colónia pouco produtivas. Mas a região floresceu como uma economia de serviços, em torno do porto e caminhos de ferro e exportação da principal riqueza existente na colónia: a sua mão-de-obra. A exportação de mão-de-obra moçambicana ajudou a subsidiar o capital mineiro e de plantação sul-africana, em prejuízo de transformações endógenas em Moçambique.

Já no período pós-apartheid, a desindustrialização na África do Sul teve impactos nas características do trabalho migratório, cada vez menos composto por trabalhadores contratados, mas cada vez mais por jovens indocumentados, que se desenrascam na economia informal ou em actividades ilegais na África do Sul. O corredor de Maputo transformou-se numa rota do crime organizado, de travessia de trabalhadores ilegais, tráfico de seres humanos, automóveis roubados, droga ou transferência ilícita de capitais.

Para a África do Sul é hoje exportada energia barata – oriunda de hidroeléctrica de Cahora Bassa ou do gás de Inhambane –continuando-se a subsidiar a indústria sul-africana, em prejuízo da economia moçambicana. Pelas vilas transfronteiriças passam, diariamente, toneladas de bens para exportação e abastecimento de Maputo, sem ligação com as vilas locais.

Neste cenário, não foi surpreendente que, durante as revoltas pós-eleitorais, o corredor de Maputo tivesse constituído um dos epicentros dos protestos. A fronteira em Resssano Garcia esteve vários dias encerrada por populações amotinadas, que vandalizaram os serviços alfandegários. Camiões com mercadorias foram pilhados e a N4 foi transformada numa esplanada, onde populares se fotografavam ingerindo bebidas alcoólicas.

Perante a passividade das autoridades, jovens deitavam-se nas estradas e divertiam-se com extintores de incêndio roubados, como se de metralhadoras se tratassem, numa catarse revolucionária.

O poderoso corredor de Maputo, símbolo do grande capital extractivo e colonial, foi alvo de uma chacota popular nunca imaginada. A interrupção deste importante corredor de transporte constituíu o maior protesto dos últimos 150 anos no Sul de Moçambique, cuja importância ainda não mereceu a devida atenção.