Cabo Verde é internacionalmente conhecido pela transparência das suas eleições. É um capital valioso, que continua fora do alcance de um grande número de estados turbulentos pelo mundo afora.
De facto, a transparência eleitoral é uma condição necessária à democracia; mas não é suficiente para garantir a sua operacionalidade.
A democracia cabo-verdiana é povoada por cidadãos pobres, sub-educados e civicamente inexperientes, que operam numa economia completamente dominada por um estado partidarizado e demagógico.
Estas dores de crescimento são perfeitamente naturais; não obstante, o caracter incipiente da nossa democracia tem, obviamente, um impacto nocivo sobre a sua qualidade.
Para que estes constrangimentos estruturais do nosso cenário politico sejam ultrapassados, eles têm que ser especificados; apontados; e compreendidos pela sociedade; mas a nossa sociedade – especificamente a classe de comentadores políticos nacionais – raramente trabalha com a nossa realidade, tal como ele se apresenta.
Os nossos comentadores falam de Cabo Verde como se fosse uma democracia funcional, povoada por cidadãos experientes, capazes de compreender as raizes dos desafios que a sociedade enfrenta a cada momento.
Prescrevem comportamentos que estão fora do alcance dos nossos cidadãos sem jamais mencionar o que realmente importa: as razões que nos levam à imaturidade política que demonstramos sistematicamente.
Um dos principais problemas é que a quase totalidade dos comentadores nacionais está ligada a um dos partidos do arco do poder – o MpD e o PAICV; sendo assim, as suas análises são tendenciosas por natureza.
Aliás, quanto mais o comentador cabo-verdiano pretende aparentar imparcialidade, mais facilmente cai em considerações vazias sobre como as coisas deveriam ser; ou como a cidadania se deveria comportar para evitar este ou aquele desastre de governação.
Os nossos analistas falam da necessidade de defender as instituições que garantem a justiça, a liberdade e a igualdade, e que constituem os pilares de qualquer sociedade democrática – mas sem especificar a partidarização e o nepotismo praticados pelos seus partidos, que condenam essas mesmas instituições ao fracasso no cumprimento das suas funções
Alertam para os riscos de um ambiente de “campanha eleitoral permanente”, que compromete o funcionamento das instituições e alimenta cinismo em relação à política e à democracia; sem referir a contribuição das suas organizações para este status quo lamentável.
Finalmente, exortam os cidadãos à reflexão e participação democrática, como se a maioria não fosse incapacitada pela sua história cultural; pela sua dependência económica; e, fundamentalmente pelas diligências deliberadas da classe política, que mantém a cidadania manietada.
Infelizmente, este tipo de discurso constitui mais uma fragilidade da nossa democracia: ele pretende indicar que existe um diálogo político ativo entre as forças da sociedade. mas sem uma abordagem honesta das nossas insuficiências, o diálogo fica reduzido a generalizações banais, completamente inúteis.