As reformas impostas pelo FMI ao longo da década de 1980 traduziram-se na diminuição dos gastos públicos, na desvalorização do metical e na diminuição do salário real dos trabalhadores, particularmente da função pública. Paradoxalmente, à medida que se assistia a um aumento da oferta de bens de consumo importados, diminuía drasticamente a capacidade de aquisição.
Funcionários da saúde e da educação caíram abaixo do nível da pobreza, passando a ser obrigados a acumular horas de serviço em unidades privadas ou a exigir valores ilícitos pelos seus serviços. O resultado foi a escalada da corrupção e a vulgarização da expressão “o cabrito come onde está amarrado”. Apesar dos baixos salários, muitos cidadãos procuravam oportunidades de trabalho na função pública, não só porque constitui uma garantia de emprego estável, mas porque proporciona receitas complementares. O cabrito passou a amarrar-se onde sabe que pode comer.
As condições salariais voltaram a agravar-se a partir de 2016, na sequência do escândalo das dívidas ocultas, da interrupção do apoio dos doadores ao Orçamento de Estado e consequente estagnação dos salários dos funcionários públicos, num contexto de desvalorização do metical e de aumento da inflação.
Os baixos salários dos agentes da polícia e da fiscalização coexistem com cenários de burocracia e morosidade na legalização e tramitação de documentos, de licenciamento de actividades económicas, veículos ou cartas de condução. O cidadão comum familiarizou-se com acções de fiscalização oportunistas por parte dos agentes da autoridade, exigindo o pagamento de quantias monetárias, vulgo refresco.
Perante os baixos salários praticados na função pública e de forma a evitar problemas de contestação laboral no aparelho de Estado, o governo adopta uma atitude passiva no controlo de fenómenos de oportunismo por parte dos funcionários e agentes do Estado. Pagando um salário que não permite sequer garantir metade da cesta básica mensal, o Estado atribui um uniforme aos agentes da autoridade, convidando-os, implicitamente, ao empreendedorismo do refresco. Para sobreviver, o agente da polícia tem que rentabilizar a autoridade proveniente da sua farda, extorquindo o cidadão, para quem foi transmitida a responsabilidade de compensar os seus baixos salários.
A elevada burocracia torna-se funcional para os agentes do Estado. Criam-se dificuldades para se venderem facilidades. Longe de estarem ao serviço do cidadão, os funcionários públicos reproduzem-se incomodando o cidadão. Contudo, num cenário de carestia do nível de vida e de dificuldades do sector informal, há muito que as populações se cansaram do comportamento parasitário dos agentes da autoridade, que se tornaram um dos principais alvos da ira popular, particularmente durante os protestos pós-eleitorais. Com receio de incomodar o cidadão, os funcionários públicos revoltam-se agora contra o governo, sobretudo na sequência da introdução da tabela salarial única. Aquela que era a principal base de apoio do partido Frelimo, representa hoje um dos grupos sociais mais descontentes, iniciando uma greve silenciosa que fragiliza ainda mais as instituições públicas prejudicando, invariavelmente, os mais pobres.