A história da democracia cabo-verdiana resume-se a maiorias absolutas, alternadas entre duas organizações: O PAICV, auto-denominado partido da Independência: e o MpD, auto-denominado partido da Democracia.
Ao longo de 35 anos, ambas organizações geriram o estado de forma escandalosamente corporativista – e não houve, obviamente, vontade política para solucionar satisfatoriamente as principais preocupações do eleitorado: o emprego, os transportes, a segurança pública e a saúde, particularmente nas ilhas periféricas.
O MpD e o PAICV fizeram as mesmas promessas em campanhas sucessivas; e ambos deixaram a maioria por realizar, refugiando-se os dois na manipulação dos factos; e em estratégias radicais de demagogia eleitoral.
Neste contexto de compromissos sistematicamente insatisfeitos, o talento individual dos candidatos e a qualidade organizacional dos seus partidos prevalecem como os principais determinantes de uma vitória eleitoral.
É difícil prever a queda de uma maioria; mas é possível observar as qualidades e fraquezas dos candidatos e das suas organizações.
Pensemos no candidato como num cantor. O aprendizado técnico e a experiência podem elevar drasticamente a qualidade da voz e da interpretação. Mas esse percurso é impossível se a pessoa não tiver nascido com dons passíveis de serem treinados.
Também na política, o estudo, a experiência podem aumentar a eficácia pessoal do candidato – mas quem não tiver naturalidade e perspicácia na interacção com os diversos segmentos do eleitorado nunca será material eleitoral sólido. Só se conseguirá impor – e foi este o caso de Ulisses Correia e Silva – em conjunturas muito particulares, e na ausência de concorrência.
A qualidade organizacional da estrutura partidária é outro factor determinante no sucesso de qualquer campanha; e terá um peso particular nas próximas.
Uma análise do histórico do MpD e do PAICV revela claramente a vantagem comparativa deste ultimo. Em três décadas, o MpD suportou diversas rupturas internas: e duas delas, na década de 1990, resultaram na formação de dois novos partidos políticos.
Aliás, desde a derrota de Carlos Veiga nas presidenciais de 2021, assistimos uma competição hostil entre as chamadas alas Veiguista e Ulissista do MpD – que terá, certamente, um impacto negativo sobre o funcionamento do partido nas próximas eleições.
Por seu lado, PAICV também atravessa um contencioso grave: o pedido de impugnação da candidatura de Francisco Carvalho á presidência do partido – feito no mês passado por Jorge Lopes, um militante próximo do circulo de Jorge Spencer Lima, um dos quatro candidatos na corrida.
O episódio abalou profundamente a estrutura do partido; no entanto, a questão foi ultrapassada, com o indeferimento do pedido pelo Tribunal Constitucional; e o PAICV talvez ainda tenha tempo de se recompor antes do embate de 2026.
Há ainda outro decisor central: o desgaste político, que foi rapidamente acumulado pela maioria do MpD nos seus dois mandatos desde a vitória de 2016.
Em 2016, era o PAICV quem carregava o passivo de um partido esgotado. Mas hoje, perante a falência do MpD, é o PAICV quem apresenta o ativo de uma aparente – ainda que improvável – solução.
Concluindo, no presente contexto, o MpD tem uma única vantagem: a do incumbente – que, numa economia deprimida e dominada pelo estado, é considerável. Tem contudo, tal como o PAICV em 2016, uma desvantagem política clara.