Um mito largamente partilhado em Moçambique, que remonta ao tempo colonial, prende-se com a ideia que o moçambicano é pacífico, e que só se revolta quando é atiçado, geralmente por uma mão externa.
No tempo colonial, proibida a sua referência pela censura, a Frelimo e os seus combatentes eram designados de “turras” ou “terroristas”. O discurso propagandista referia, com frequência, que se tratavam de tanzanianos, comandados por Julius Neirere, ou numa relação de dependência com a China ou União Soviética, com interesses obscuros sobre as colónias portuguesas.
Se no período colonial se proibia a utilização do nome Frelimo, durante a guerra dos 16 anos evitava-se o nome Renamo, simplesmente designada de “bandidos armados” ou “forças do apartheid”. A linguagem apresentava-se fortemente estilizada e os adjectivos eram pejorativos: “reaccionários”, “infiltrados”, “agentes desestabilizadores” “marionetas ou lacaios do inimigo”.
A partir da década de 1990, com o multipartidarismo e os esforços de democratização da sociedade, assistiu-se a uma maior contenção dos discursos e a uma convivência mais harmoniosa do governo com as vozes mais críticas. Contudo, perante cenários de crise ou de contestação, os discursos governamentais continuam a recorrer, ao discurso do inimigo externo, designado hoje de “mão externa”. De uma forma subtil, insinua-se o patrocínio das embaixadas a movimentos da sociedade civil, na verdade bastante profissionalizados e dependentes de financiamentos externos. Nas suas intervençoes públicas, os governantes referem-se frequentemente aos críticos como pouco patriotas, manipulados por uma “mão externa”.
Desde sempre, o moçambicano é representado como que desprovido da sua independência ou capacidade analítica, permanentemente corrompível ou manipulável, como que uma vítima passiva de forças malévolas exteriores. A mão externa sempre deteve um inesgotável capital de desculpabilização dos erros de governação, legitimando a utilização das forças repressivas do Estado e a limitação daquilo que hoje é conhecido por Direitos fundamentais.