Na década de 2010, Brexit e as vitórias eleitorais de Donald Trump e Jair Bolsonaro lançaram uma onda de pânico generalizada pela burguesia ocidental, que se congregou em torno de uma ameaça supostamente nova, o ressurgimento do populismo.
Os populistas vilipendiados pelas classes liberais são caracterizados como radicais anti-sistema, que se estribam na ignorância dos eleitores para promover agendas xenófobas e anti-democráticas
Estas acusações são justíssimas; o problema é que os liberais, que se arvoram em defensores da democracia e da constitucionalidade, são tão populistas quanto os seus visados.
Trump é realmente um populista lastimável; mas quem testemunhou a actuação vergonhosa de Kamala Harris e todo o establishment Democrata ao longo das presidenciais americanas pode perceber que o seu populismo igualou o dos Republicanos em intensidade e intenção.
Em Cabo Verde, o conceito de populismo também se introduziu com força neste ciclo eleitoral. Nas autárquicas de Dezembro passado, os adversários de Francisco Carvalho, Presidente da Câmara Municipal da Praia, elegeram o populismo como sua principal acusação.
Com razão; o discurso de Carvalho, desde sua primeira eleição, assim como a sua postura anti-elite, mereceram-lhe a denominação.
Só que, desde 2016, quando Ulisses Correia e Silva prometeu a “Solução” para todos os problemas do país, o discurso e a governação do MpD têm sido igualmente guiados por um populismo descarado.
No mês passado, acusações de populismo foram novamente levantadas contra Carvalho nas eleições internas do PAICV – desta feita pelos seus próprios correligionários.
Mas, mais uma vez, as críticas foram feitas por personalidades que, no passado, apoiaram cegamente candidaturas e discursos tão ou mais populistas que os de Carvalho.
Sob José Maria Neves, o anterior governo do PAICV – agora reunido em torno de Nuias Silva – glorificou o Turismo como nosso petróleo, prometeu o crescimento do PIB a dois dígitos e o décimo terceiro mês para todos os cabo-verdianos.
Falhou; mas recusou-se categoricamente a aceitar as evidências – suportadas pelos números e sentidas pelos cidadãos – escondendo-se durante anos por trás de um populismo defensivo cada vez mais exacerbado.
Agora, são exactamente os mesmos indivíduos que, numa farsa de indignação, vociferam contra o populismo de Carvalho. É evidente que sua cruzada não é contra o populismo – que têm motivos para apontar; é simplesmente em prol da salvaguarda dos interesses privados das SUAS facções, que acreditam estar ameaçados por Carvalho.
Aqui – tal como na Europa e nos Estados Unidos – o populismo não é atributo deste ou daquele candidato; é o modus operandi de toda a classe política; a sua estratégia para convencer o eleitor da sua dedicação ao interesse coletivo, enquanto se dedica inteiramente à prossecução dos seus interesses privados.
Neste contexto, as acusações de populismo que os diferentes grupos de interesses lançam uns aos outros não passam de cortinas de fumo – de mais uma ferramenta na manipulação dos eleitores.