O mundo em que vivemos conhece mudanças rápidas e o mesmo acontece com as formas de luta política. As manifestações em curso em Moçambique são o corolário, a meu ver, do agravar das condições de vida para a maioria dos moçambicanos e moçambicanas. Este momento, o que muitos designam de revolta democrática, é um processo complexo de lutas que visam modificar o curso político do país. As lives do candidato Venâncio Mondlane apontam o organizar um movimento de protesto, procurando-se agora utilizar esse movimento popular, bastante heterogéneo, contra o governo. Noutro contexto, na Zambézia, as manifestações populares têm-se pautado por um clima pacífico de reivindicações. Ou seja, ampliar a democracia através da amplificação da participação cidadã na vida do país.
Como referi acima, a crise política vivida atualmente em Moçambique, terá a fraude eleitoral como razão imediata para a sua emergência. Porém, o agravar das condições económicas do país está na origem de uma insatisfação crescente entre largos sectores da população, como os professores, pessoal médico, estudantes e jovens graduados desempregados, etc.
Sobretudo o que tem chocado os moçambicanos e moçambicanas, os cidadãos comuns sobre quem recai o peso da crise económica que o país atravessa, é o estilo de vida opulento de muitos governantes, muitos dos quais foram parte da luta de libertação e que tiveram a sua história glorificada em monumentos.
Os monumentos que representam o poder de uns sobre os outros espelham, paradoxalmente, a raiz da sua própria destruição. E quanto maior a estátua, maior o impacto dos destroços.
Recentemente, em Boane, próximo da cidade de Maputo, um grupo de manifestantes derrubou uma estátua do Presidente da República, erguida na Escola Secundária Engenheiro Filipe Jacinto Nyusi (em homenagem ao próprio Presidente). Mais recentemente, em Pemba, a capital da província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, manifestantes derrubaram uma estátua de Alberto Chipande, um veterano (vivo) da guerra de independência de Moçambique e antigo ministro da defesa.
Mas porquê toda esta agitação? O que é uma estátua quando está situada num espaço considerado “público”? E o que é que cai quando uma estátua tomba?
Moçambique conhece uma história recente de remoção de estátuas coloniais, próteses de uma memória histórica colonial, estátuas que procuravam consagrar a vida dos que eram considerados historicamente importantes, ocupando com uma narrativa colonial o espaço público de Moçambique.
Agora, seja pela remoção de algumas estátuas, como é o caso da estátua do presidente Nyusi ou do general Chipande, o que está em causa não é apenas o facto de Nyusi representar o partido no poder, a Frelimo, que indubitavelmente foi o mentor de grande parte da fraude eleitoral. No caso do general Chipande, ele próprio oriundo de Cabo Delgado, a remoção da sua estátua provavelmente está associada ao facto de Chipande ter enriquecido à custa desta província. Seja através das manifestações, seja pelo derrube de algumas estátuas, o “espaço público” está a ser ocupado pelos moçambicanos. Este processo de ressignificação material do espaço urbano gera o caos, mas também alegria política e, eventualmente, justiça cognitiva.