A qualificação da nossa Seleção Masculina de Futebol para o Mundial de 2026 é indiscutivelmente um feito monumental para o desporto cabo-verdiano; para a Federação Cabo-verdiana de Futebol e para os atletas em particular.
Os nossos sonhos de reconhecimento e relevância internacional, que antes pareciam inatingíveis, afinal são possíveis. Mas o facto é que esta vitória acontece num momento extremamente difícil para o país.
Cabo Verde atravessa uma conjuntura económica caracterizada pela estagnação, pelo desemprego e pela emigração em massa da juventude. Na política, o sentimento do eleitor é de repulsa — o resultado de ver os mais altos dirigentes do Estado difundirem valores como a boa governação e a justiça social, para depois subvertê-los sistematicamente.
Este status quo político e social não suporta o proverbial orgulho de ser cabo-verdiano. Mas o triunfo dos Tubarões Azuis provocou euforia a nível nacional e, apesar do momento, encheu a população cabo-verdiana de orgulho. Naturalmente, a nossa classe política está determinada em explorar o momento em proveito próprio.
Segundo o Presidente da República, a qualificação da Seleção para o Mundial é nada menos que “uma nova independência. De um país improvável em 1975, hoje somos um país de possibilidades. Se podemos ir à Copa, podemos também ganhar em outras esferas”.
É evidente que, por mais orgulho que tenhamos da Seleção, a sua participação no Mundial não terá o impacto de uma independência sobre a economia e a sociedade cabo-verdiana.
Ir ao Mundial é uma conquista excecional; mas é uma conquista fundamentalmente emocional e simbólica, que nada tem a ver com a profunda reorganização política e social causada pela independência. E o Sr. Presidente da República está, certamente, ciente disso.
Também para o Primeiro-Ministro, “o apuramento para o Mundial é a concretização de um sonho nacional”, e o que antes parecia impensável, hoje é realidade.
De facto; no entanto, esta vitória não nos vai realizar o sonho do emprego, da segurança ou do saneamento. Não vai melhorar a qualidade da educação nem o acesso à habitação, e certamente não é indicativa da saúde do setor energético — tal como o PM sugeriu absurdamente no Parlamento.
É claro que a política cabo-verdiana não inventou a demagogia em torno do futebol. O sucesso desportivo — no futebol em particular — está intimamente ligado à identidade nacional e sempre serviu como ferramenta do orgulho nacionalista.
No Brasil, durante a ditadura militar, o futebol foi sistematicamente instrumentalizado nesse sentido. O desempenho extraordinário da Seleção Brasileira na época servia tanto para exemplificar o sucesso do regime como para desviar a atenção do público dos seus abusos e fracassos.
Com o triunfo dos Tubarões, o impulso demagógico da nossa classe política é idêntico: associar-se a uma vitória como estratégia para seduzir ou apaziguar o cidadão, visando sempre a vantagem eleitoral.
Sendo assim, é fundamental não confundirmos o orgulho que sentimos pela Seleção com uma apreciação favorável da governação. E, como sempre, a responsabilidade por não cair nas armadilhas do populismo é exclusivamente nossa.