Portugal arroga-se de ter dado novos mundos ao mundo. E tal como escreveu Camões, os feitos desses navegadores e guerreiros Portugueses “entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram.”
Não seria realista esperar que a edificação de um império em terra alheia não trouxesse consequências até ao presente – nomeadamente, as migrações para a anterior metrópole, de numerosos grupos da tal gente remota
Quem são esses migrantes? São Cabo-verdianos, angolanos, guineenses e moçambicanos. Mas também são brasileiros, indianos, paquistaneses e chineses.
A sua migração é consequência directa das acções daqueles reis que, tornando a citar Camões, “as terras viciosas de África e de Ásia andaram devastando”
Os migrantes que a sociedade Europeia quer hoje rejeitar são os filhos, netos e bisnetos de gente que foi expropriada pelos Impérios coloniais europeus ao longo de séculos.
São o preço inevitável que os europeus do presente têm que pagar pela prosperidade acumulada pelos seus antepassados. Mas não parecem minimamente dispostos a fazê-lo.
Na semana passada em Lisboa, num evento denominado “operação especial de prevenção criminal”, a Polícia de Segurança Pública realizou a revista de dezenas de pessoas.
O objectivo professo da operação era “alavancar a segurança e tranquilidade pública da população residente e flutuante”. Mas apenas duas detenções por pequenos delitos; e algumas apreensões igualmente irrelevantes não parecem justificar o aparato policial exagerado engajado na operação.
Para além disso, as imagens mostrando dezenas de migrantes imobilizados contra uma parede, a serem revistados de mãos no ar provocaram uma onda de revolta entre a sociedade civil.
O racismo e a xenofobia eram considerados vencidos pelo 25 de Abril; mas voltaram à tona. Porquê?
Em primeiro lugar, porque nunca foram realmente vencidos; a diferença fundamental agora é que reentraram no mainstream da política portuguesa.
As legislativas de março passado deixaram uma mensagem clara: castigaram os centristas; rejeitaram completamente a esquerda dita progressista; e deram uma força à direita radical populista sem precedentes na democracia portuguesa.
O resultado é um governo suportado por uma direita centrista encurralada pela direita radical, que sofre uma enorme pressão política para reconquistar terreno eleitoral.
Precisamente o contexto que facilita o surgimento de iniciativas populistas – e altamente simbólicas – como esta operação da PSP – que deixou a sociedade progressista indignada.
Mas a solução não é a histeria anti-fascista dos ditos progressistas; é uma esquerda sólida, regenerada, capaz de demonstrar alguns conceitos fundamentais. Por exemplo:
- É expectável que gente expropriada procure formas de reaver parte dos capitais que lhes foram roubados.
- Por outro lado, as populações minguantes da Europa necessitam desesperadamente da mão de obra que essa gente representa.
- Mas, fundamentalmente, é necessário demonstrar que a exclusão económica e social de gente remota não impede a sua migração; apenas a sua integração.