Na semana passada, numa prova nacional de História, do 12º ano de ensino, uma pergunta sobre a instituição do regime democrático em Cabo Verde tornou-se alvo de reprovação generalizada.
Os alunos eram instruídos a ler uma listagem dos malefícios do partido único; depois uma referência ao heroísmo pessoal de Carlos Veiga. Ambos fora de contexto. De seguida, eram convidados a comentar sobre o peso destes elementos para o triunfo da Democracia na década de 1990.
Perante a indignação do público, o Director Nacional da Educação foi obrigado a reiterar a sua confiança nos professores que elaboraram a prova; e negou qualquer tentativa de politização do percurso histórico do país.
Óbvio que ninguém acreditou. As intenções propagandistas do MpD não constituem surpresa alguma. Aliás, a distorção demagógica da nossa História e a propaganda em proveito próprio são a norma de ambos partidos do arco do poder.
Nesta instância em particular, a única anomalia é a estratégia equivocada do MpD, que deveria ter previsto o fracasso desta operação a vários níveis.
Primeiro, porque o momento não é propício à narrativa Veiguista. Veiga candidatou-se à presidência há menos de quatro anos. O público ainda se recorda dos excessos demagógicos da sua campanha derrotada; e da indignidade narrativa do boneco de pano Kalu – uma tentativa fracassada de aliciar uma juventude supostamente imbecil; e apaziguar um eleitorado hostil.
Pior, pouco antes das presidenciais, um escândalo político ligou Carlos Veiga ao Chega, um partido português racista, de extrema direita, considerado anátema pela população cabo-verdiana. O imbróglio teve um impacto devastador sobre a imagem de Veiga,
Ao contrário dessa indignidade política, tão recentemente exibida, os excessos do regime de partido único já se distanciaram no tempo. Poucos jovens têm uma noção clara da política repressiva da época. Muito pelo contrário, tendem a romantizar as ideologias pan-africanas e comparativamente altruístas da Independência.
A prova é que uma multidão substituiu suas fotos de perfil nas redes sociais por fotos de Ibrahim Traoré – o líder militar burkinabe que promoveu um golpe contra o governo constitucional; instalou uma ditadura militar; mas é saudado entusiasticamente, pela África inteira, como libertador do seu país.
O MpD prova sistematicamente que não tem a inteligência política necessária para formular estratégias narrativas adequadas ao momento difícil que atravessa. Mas agora supera-se, ao expor as suas ansiedades eleitorais tão explicitamente numa prova escolar – imitando precisamente o tipo de manobra ideológica que sempre imputou ao partido único
Quanto ao PAICV, perdeu uma excelente oportunidade de ficar calado. O assunto desafia directamente o passado problemático do partido nesta matéria. Perante a repulsa demonstrada pela sociedade civil, o PAICV poderia ter-se elevado acima da questão.
Interferindo – particularmente com um discurso pomposo sobre “tentativas ocultas” de introduzir a política partidária nos currículos escolares – apenas ofereceu ao MpD uma oportunidade dourada para alegar que toda a celeuma foi fabricada pela Oposição.