O primeiro-ministro apresentou ontem ao Presidente da República uma proposta de remodelação do Executivo. A medida foi anunciada em janeiro, com o suposto objetivo de “reforçar o partido e a confiança dos cabo-verdianos”.
Estamos a pouco mais de um ano das legislativas; se o intuito de Ulisses Correia e Silva fosse melhorar o desempenho do seu Executivo, não teria esperado até ao último minuto para agir.
É evidente que a finalidade desta iniciativa é estritamente eleitoral – uma resposta cosmética aos resultados desastrosos das autárquicas de dezembro para a maioria que apoia o Governo; uma última tentativa de demover o eleitorado.
Infelizmente, apesar do peso morto que o governo representa, o seu maior passivo é o próprio Ulisses Correia e Silva, o rosto do fracasso da governação.
Assim, a permanência de Silva à frente do Executivo – e a sua confirmação como candidato para 2026 – anula a narrativa de mudança e evolução que esta iniciativa pretende projetar.
Os objetivos eleitoralistas desta remodelação também se refletem no conteúdo das novas pastas. Um exemplo é a pasta autonomizada de Promoção de Investimentos e Fomento Empresarial, atribuída a Eurico Monteiro
Estes pelouros faziam parte do mega-ministério de Olavo Correia, tutela das Finanças e Vice-primeiro-Ministro; foram reunidos e autonomizados, provavelmente, por representarem canais privilegiados para a criação de clientelas, neste ciclo eleitoral difícil para o MpD.
Esta pasta acumulará, muito provavelmente, a gestão do programa de privatizações. Isto significa, por um lado, o controle de uma fonte potencial de financiamento eleitoral; e, por outro, oportunidades de compra para investidores privados próximos do estado, segundo critérios opacos, frequentemente em contradição com o interesse público.
Por outro lado, o fomento de micro-empresas, da qualificação profissional e do auto-emprego constitui um meio eficaz para distribuir benesses às clientelas do partido e potenciais eleitores – através de subsídios, benefícios fiscais, bolsas de formação, entre outros.
É significativo que esta pasta tenha sido atribuída a Eurico Monteiro, elemento destacado do primeiro governo do MpD, formado em 1991. Pouco depois, Monteiro deixaria o partido, em meio a um confronto violento com Carlos Veiga. Regressou pela mão do mesmo e, em 2017, foi nomeado embaixador em Portugal por Ulisses Correia e Silva.
A atribuição de uma pasta tão substancial a Monteiro não reflete uma vontade de melhorar a governação, como foi anunciado pelo Primeiro-ministro: reflete sim a presença de novas dinâmicas de poder dentro da organização.
Aliás, o posicionamento de José Filomeno Carvalho e Eurico Monteiro, uma geração anterior de dirigentes, no quinto e sexto lugar da orgânica do novo governo, logo após os vice-presidentes do partido, é uma decisão de monta, que pode ter consequências profundas a nível organizacional.