O novo terminal de cruzeiros do Mindelo foi inaugurado no sábado passado, numa cerimónia presidida pelo Primeiro-Ministro. Segundo Ulisses Correia e Silva, a obra reforça a centralidade de São Vicente e representa uma nova era para o turismo cabo-verdiano.
A promessa de dinamizar a economia da ilha data da campanha eleitoral de 2016. Mas, com a inauguração nos últimos meses de um segundo mandato, a rentabilidade desta infraestrutura dificilmente se fará sentir a tempo de reverter a imagem abalada do partido na ilha – antes das legislativas de 2026.
Não obstante, o evento foi encenado pelo Governo como uma manobra eleitoral de primeira magnitude, com a presença de altos dignitários, amostras de Carnaval, fogos de artifício e actuações musicais.
Infelizmente, a componente mais esperada do programa foi subitamente cancelada: o aportar inaugural de uma luxuosa embarcação de recreio, o Seven Seas Voyager.
O capitão do navio recusou-se a atracar, alegando demasiada velocidade do vento; e seque autorizou a subida a bordo do comandante da ENAPOR, conforme os protocolos habituais. Questionado pela autoridade portuária, apenas reafirmou a decisão de não atracar e de seguir imediatamente para o próximo porto, nas Canárias.
Segundo a ENAPOR, estavam reunidas todas as condições logísticas, de acordo com os mais exigentes parâmetros internacionais. Contudo, salvaguarda que se trata de competências e pontos de vista diferentes, pelo que aguardará o relatório do comandante do navio para esclarecimento.
Temos aqui uma questão fundamental, muito para além do atraso no cumprimento de promessas eleitorais: os motivos por trás do fracasso sistemático das soluções e inaugurações apresentadas por este Executivo ao longo dos seus dois mandatos.
Independentemente da demagogia oficial, apenas uma pequena amostra dos nossos problemas económicos e sociais resulta de crises conjunturais, como a pandemia e as flutuações de preços iniciadas com a guerra na Ucrânia. Aliás, esses obstáculos costumam ser rapidamente saneados. Os problemas que realmente nos afligem são estruturais e têm origem nos nossos vícios políticos internos.
Um dos mais nocivos é a partidarização extrema da administração do Estado. Quem quer que vença as eleições despreza profissionais competentes e atribui cargos sensíveis a militantes semi-analfabetos, que não têm sequer noção das exigências dos sectores que lideram.
O resultado, a prazo, é uma enormidade de serviços mal geridos, por gente incompetente e com as prioridades erradas.
Outro vício destrutivo, exibido transversalmente pela nossa classe política, é a sua completa falta de interesse na construção de um legado. O entendimento de gestão dos nossos dirigentes contemporâneos limita-se ao curto prazo. O foco exclusivo é a cosmética televisiva e eleitoral. A funcionalidade, a utilidade e a durabilidade são considerações secundárias.
Este mindset reina na administração pública, desde a direcção de uma escola periférica até ao gabinete do chefe do Governo. Neste quadro, não constitui azar ou surpresa que os barcos estejam sempre avariados, que os passageiros aéreos estejam sempre stressados e que um terminal de cruzeiros inaugurado com grande pompa — resulte num vexame, porque não foi devidamente testado.