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Imagem de “Terroristas”: um conceito útil para ignorar problemas de governação

“Terroristas”: um conceito útil para ignorar problemas de governação

Imagem de “Terroristas”: um conceito útil para ignorar problemas de governação

“Terroristas”: um conceito útil para ignorar problemas de governação

Em 2017 iniciaram os primeiros ataques no Norte de Cabo Delgado, protagonizados por uma milicia militar com inspiração religiosa. A resposta governamental começou por desvalorizar a gravidade dos acontecimentos, optando por uma estratégia de negação do conflito. Com a intensificação dos ataques e das destruições, o governo adoptou o conceito de terroristas para designar os guerrilheiros armados.

A violência gerada pelos alshababis ou machababis (como as populações do Nordeste os designam) está muito bem documentada. São conhecidos episódios de assassinatos, raptos e cobrança de resgates, casamentos forçados, pilhagens e destruição de edifícios, fenómenos responsáveis pela deslocação forçada de centenas de milhares de indivíduos.

Contudo, o conceito de terrorismo não capta a complexidade do fenómeno em questão. Se os alshababis provocam terror, a verdade é que também foram capazes de criar um sistema de caridade, de protecção e entreajuda económica a muitos indivíduos, através do qual obtiveram a cooperação de vários sectores da população, em locais onde o Estado teve dificuldade de penetrar. O grupo aliciou muitos membros concedendo apoios à constituição de pequenos negócios. Comida das Nações Unidas saqueada em vários ataques foi distribuída pelos populares. Quando a tropa ruandesa recuperou o controlo de Mocímboa da Praia, ao fim de cerca de um ano de ocupação, encontrou diversas idosas que haviam sido assistidas pelos alshababis.

Por outro lado, os vários actores armados na região foram responsáveis por violência e terror. Os abusos de direitos humanos provocados pela polícia ou pela tropa governamental foi denunciado pela Human Rights Watch e pela Amnistia Internacional. A força local constitui uma milicia armada partidarizada, com um historial de violência para com líderes da oposição. A força paramilitar naparamas têm um histórico de assassinatos no Sul da província.

Numa zona que constituirá o palco de um dos maiores investimentos em gás no continente africano, persiste a dificuldade de edificação de um Estado de Direito. No distrito de Palma ainda não funciona a procuradoria ou o tribunal. A Sul da província, a PGR permanece incapaz de investigar graves casos de violações de direitos humanos cometidos nas minas de Montepuez.

É neste cenário de injustiça generalizada, que merece ser entendida uma das principais exigências dos alshababs: a instituição da sharia. Se no sentido religioso sharia significa “justiça islâmica”, nas línguas do Norte de Moçambique Sharia constitui a palavra emprestada do árabe e trazida pela influência swaili para designar “justiça”. Ignorando fenómenos de injustiça generalizada, que afecta sobretudo os mais desfavorecidos, o governo continua a recorrer ao conceito de “terrorismo”, apelando à “vigilância” e “denúncia” das populações.