Uma chama para disfarçar a desunidade
Os projectos de Estado Nação e de unidade nacional constituíram iniciativas europeias de finais do séc. XIX, construídos geralmente a partir de um Estado central e procurando transmitir uma ideia de pertença comum a todas as populações. Os projectos assentavam na partilha de uma cultura e experiência histórica comuns, geralmente imaginada por oposição a um Outro opressor, contra quem era preciso estar unido e coeso. Mas o sentimento de pertença a um projecto de Estado Nação advém, sobretudo, da integração nos mercados e da consciência de detenção de direitos de cidadania e de protecção social.
Constituídas a rega e esquadro, dentro das fronteiras de Moçambique cabem dezenas de grupos etnolinguísticos, com tensões históricas entre si e marcadas por assimetrias socio-espaciais. Durante o período colonial, fortemente condicionados na sua circulação e sem acesso a escolaridade, a maioria da população africana estava sobretudo circunscrita à sua região de origem e não tinham consciência do território moçambicano. Essa noção era apanágio da população branca, que se deslocava pelas províncias nas tarefas de administração, mas também a milhares de assimilados (geralmente enfermeiros ou funcionários dos caminhos de ferro), afectos a tarefas auxiliares na administração colonial.
No pós-independência foi este grupo de assimilados que deu continuidade ao projecto de Estado Nação. Num país tão diverso, a experiência comum de opressão colonial constituiu o factor encontrado para promoção da respectiva unidade. A história de Moçambique foi reescrita, e passou a constituir a experiência de resistência à penetração colonial, fazendo-se um parenteses histórico em torno da massiva colaboração, sem a qual a dominação colonial nunca teria sido possível.
Contudo, se o país garantiu a independência política, a realidade é que está longe de ter garantido o bem estar económico para a maioria da população. Aumentam a pobreza e as desigualdades sociais. Perante o decréscimo da qualidade dos serviços públicos proliferam serviços privados na saúde e na educação, criando cidadanias desiguais. A violenta penetração do capital extractivo traduz-se numa grande pressão sobre terras. Regularmanete circulam vídeos nas redes sociais de agressões de agentes do Estado sobre a população, perante o silêncio da Procuradoria. Consolida-se uma justiça fraca para os fortes, e forte para os fracos.
Afectando mais de metade dos distritos de Moçambique e todos os centros económicos, os protestos pós-eleitorais saldaram-se em centenas de mortos e milhares de feridos, com um profundo impacto no tecido social. Com vista a promover a respectiva legitimidade, uma das primeiras medidas do novo governo consistiu na reedição da iniciativa da chama da unidade nacional, que circulará de Norte a Sul do País. Trata-se de uma iniciativa recorrente da Frelimo, sempre que o governo enfrenta problemas de ligitimidade. Em torno da mesma aderem sobretudo os apoiantes do partido Frelimo, perante a indiferença de grande parte da população. Conscientes dessa ilegimitade, a chama é cercada por militares das forças de Moçambique em postura atenta para protecção da tocha. Mais do que promover a unidade, a chama expressa as contradições da sociedade moçambicana. Na verdade, a chama não encandeia.
João Feijó