Enquanto aguardamos pelo início do diálogo entre as várias forças políticas em Moçambique, na busca de uma solução para a crise política que se vive, há que continuar a refletir sobre as razões que estão na origem da atual crise pós-eleitoral. Pensar em conjunto a partir de diferentes posições é um exercício de cidadania, e a construção da cidadania não deve, a meu ver, restringir-se à participação em atos eleitorais.
A ida às urnas é uma das variantes de democracia, a chamada democracia representativa. Esta acontece quando o exercício do poder político pela população eleitoral é feito de forma indireta, através de seus representantes, por exemplo os deputados, com mandato para atuar em nome dos moçambicanos e moçambicanas, sendo a sua autoridade legitimada pela soberania popular. Uma das limitações associadas à democracia representativa é que a opinião do povo só é consultada uma vez a cada quatro anos. E após eleitos, os políticos parecem agir, na maioria dos casos, como bem entenderem, até a próxima eleição. Associada ainda a esta forma de democracia está o risco de estarmos a criar uma classe de políticos profissionais. Se quem tem os problemas é o povo, não deveria este ser quem identifica quem o representa? Estas limitações, a meu ver, contribuíram para a atual crise política em Moçambique.
A democracia entre nós, nascida nos anos 90 do século passado, nunca foi uma democracia de alta intensidade, apesar de algumas conquistas fundamentais em direitos e políticas públicas. Foi mais uma promessa e uma possibilidade histórica, fruto de vários processos políticos que exigiam um alargar da cidadania, mas sem um questionamento profundo sobre as limitações da democracia representativa. Esta democracia representativa em Moçambique é de baixa intensidade. Explico-me: até ao momento, em termos de luta parlamentar, os partidos da oposição estão paralisados pois ao não deter uma maioria, não poderão provocar uma crise de governação. A alternativa surgiu da luta extra parlamentar, contra a resignação, e prol de alternativas democráticas credíveis incontornáveis, como o fim do medo, o direito ao trabalho digno, o reconhecimento da diversidade de expressão, desafios que até agora não tinham entrado a sério na agenda da nossa assembleia.
As manifestações que vão acontecendo pelo país refletem, sobretudo, uma polarização social que está a emergir fruto das enormes desigualdades sociais. A democracia de alta intensidade, com a participação de amplos sectores da sociedade moçambicana, terá por objetivo identificar a possibilidade de resolver disputas e tensões no campo das propostas. O confronto democrático deve acontecer no âmbito das perspetivas políticas, dos projetos para a sociedade, quando o ponto de convergência da tensão democrática se situa na busca por uma organização social que melhor reflita a noção de justiça económica, social e cognitiva para a sociedade.
Desta forma, em lugar de transformar o consenso político eleitoral em resignação cidadã, as revoltas e encontros que se têm organizado no país sinalizam uma outra experiência de participação cidadã, de democracia. São, a meu ver, sinais promissores do ampliar da consciência cidadã entre uma geração mais jovem que se confronta com problemas específicos – por exemplo, o desemprego, a fraca qualidade da educação e do sistema de saúde – e que vai debatendo possíveis soluções para estes problemas. E são estas resistências e a resiliência, que estão a formar importantes redes de solidariedade, por exemplo no enfrentamento e denúncia das violências policiais, que mostram que a geração jovem, como destacou descobriu a sua missão, e procura cumpri-la ou eventualmente traí-la. Aguardemos os desenvolvimentos políticos dos próximos dias.