Os cabo-verdianos celebram hoje o dia da Liberdade e Democracia. A data, feriado nacional no arquipélago, assinala a realização das primeiras eleições multipartidárias no arquipélago, depois de 15 anos de um regime de partido único instaurado pelo PAICV logo após a independência nacional a 5 de julho de 1975.
A história mostra que os cabo-verdianos sempre se bateram pela liberdade, um sonho bastas vezes amplificado por intelectuais desencantados pela administração portuguesa ainda no século XIX.
A independência destas ilhas africanas do Atlântico cedo começou a germinar, mas foi com a criação do PAIGC na década de 50 do século XX que ela se impôs como imperativo para a libertação e dignidade dos cabo-verdianos.
O povo das ilhas queria um poema diferente e por isso abraçou com entusiasmo a independência nacional convicto de que a liberdade vinha junto.
No entanto, o Partido Libertador viria a impor durante 15 anos um regime autoritário que cerceou as liberdades e os direitos fundamentais dos cabo-verdianos. Em 1990, os sinais de esgotamento do Partido Único eram mais do que evidentes. Os ventos de mudança superavam a leste, o muro de Berlim desabou e a terceira vaga da democracia banhou por completo o arquipélago.
Os dissidentes do PAICV, liderados por Carlos Veiga, vão criar um movimento para a democracia, uma frente ampla que se bateu nas negociações pela abertura do país à democracia e ao Estado de Direito.
“Passados 15 anos de um regime de Partido Único, o povo cabo-verdiano expressou-se claramente dizendo que queria a democracia. E essa democracia foi conseguida em 1991. Iniciou-se, portanto, a 2ª República que, alterando, no fundo, a matriz ideológica que governava o país, veio apostar em liberdades civis, apostar em direitos humanos, apostar em princípios e valores democráticos e apostar também no setor privado, no plano económico, como o grande promotor do desenvolvimento que implica um crescimento económico. Eu penso que ao longo desses anos, de 1991 até agora, isso tem sido feito”.
Trinta e quatro anos volvidos sobre a realização das primeiras eleições multipartidárias em Cabo Verde, a data vai ser hoje lembrada numa sessão solene no Parlamento.
Em jeito de antecipação, o deputado do MPD, Euclides Silva, diz que o desafio agora passa pela qualificação da democracia no arquipélago.
“A responsabilidade de fortalecer os as nossas instituições democráticas, promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades, para todos, recai sobre cada um de nós. A liberdade e a democracia não podem ser meras palavras de ordem, mas sim pilares inabaláveis que devem ser defendidos e exercidos com firmeza em cada ação e decisão política. Cabe-nos promover, permanecer vigilantes e intransigentes diante de qualquer ameaça a esses valores, mantendo-nos determinados na construção de um Cabo Verde mais justo, inclusivo e próspero para as gerações futuras”.
O PAICV, por sua vez, responsabiliza o governo, liderado por Ulisses Correia e Silva, pelo desencanto dos cabo-verdianos em relação à política, o que se traduz numa elevada taxa de abstenção eleitoral. O líder parlamentar do maior partido da oposição, João Batista Pereira, questiona se hoje a democracia está a servir os cabo-verdianos.
“Hoje que vamos celebrar o 3 de janeiro, 7,9% da população enfrenta problemas em levar a panela ao lume, 15% tem dificuldades em tomar uma refeição, 16% está sem medicamento, 34% várias vezes não consegue levar a panela ao lume e 65% várias vezes ficou sem salários. Esses dados são dados importantes para nós termos em conta no momento em que estamos a celebrar o 13 de janeiro e questionar até que ponto a democracia está a servir aos cabo-verdianos”.
Já o presidente da UCID, de João Santos Luís, denuncia o que diz ser uma tentativa de apagar o contributo da União cabo-verdiana Independente e Democrática, no processo que a conduziu à abertura do país ao multipartidarismo.
“Já o dissemos várias vezes neste Parlamento: está-se a querer desconsiderar tudo o que foi feito antes do dia 19 de fevereiro e do 14 de março também, que é a criação do MPD, de forma que tudo o que foi feito antes do dia 19 de fevereiro que se deu a queda do artigo 4º da Constituição da República, está-se a querer desconsiderar isto e isto não pode ser”.
O Dia da Liberdade e Democracia é hoje comemorado numa sessão especial no Parlamento, que contará com intervenções dos representantes dos partidos políticos, do presidente da Assembleia Nacional e do chefe de Estado José Maria Neves.
Carlos Santos – Correspondente RDP África