A minha opinião vai para o ar num dos períodos mais tensos da história de Moçambique independente, um momento repleto de angústia sobre o amanhã.
A cultura democrática, que deve assentar no respeito pelos direitos de cada um à sua opção política, como consagrado na nossa constituição, está ausente do país. Nesta última semana, o rosto do governo tem sido o do ministro do interior, Pascoal Ronda. Este vazio de liderança é perigoso, pois os ambiciosos pelo poder para abocanharem a sua parte dos ganhos nacionais estão à espera para, em nome da democracia, preencherem esse vazio, sem qualquer peso na consciência.
As manifestações espalham-se pelo país, não devendo nós esquecer que a lei suprema de Moçambique, a nossa constituição, defende o direito dos moçambicanos à manifestação, ao protesto, à luta pelos seus direitos. Estes direitos foram vitórias alcançadas com muita luta, onde também aprendemos que o fundamental é o diálogo, a concertação de posições.
Num ano que não foi positivo para a democracia em África – com várias juntas militares no poder e pelo retorno da guerra no Sudão – há que perguntar – e nós, moçambicanos e moçambicanas, queremos continuamos a acreditar que a democracia é a melhor opção para a governação do nosso país? Parece-me que sim. Mas quem está disposto a dialogar?
Venâncio Mondlane, que contesta os resultados eleitorais e se afirma legitimo vencedor vai convocadno manifestações através das redes sociais. Apesar do governo procurar silenciar as redes sociais, o número de mensagens de apoio às manifestações é grande. Em resposta, temos assistido a um crescendo de confrontos violentos entre a polícia e manifestantes, havendo já
inúmeros feridos e mortes, destruição de infraestruturas, incluindo o incêndio de uma esquadra, a queima de sedes do partido FRELIMO. A radicalização das posições é patente: Venâncio Mondlane assume-se como porta voz dos manifestantes, dos que não aceitam os resultados e a polícia responde recorrendo desnecessariamente ao uso da força.
Num sistema politico democrático, em que os três pilares da democracia – o governo, o legislativo e o judiciário – se monitorizam, permitindo a cada pilar alterar ou vetar atos de outro pilar, de modo a evitar que um pilar tenha demasiado poder – parece-me que a saída para a estabilidade e a paz reside na divulgação de todos os editais do processo eleitoral recolhidos pela Comissão Nacional de Eleições, permitindo uma avaliação criteriosa e isenta dos resultados das eleições de 9 de outubro. Tendo o partido PODEMOS, que apoia Venâncio Mondlane, contestado os resultados eleitorais, cabe agora ao Conselho Constitucional decidir, de modo transparente e convincente, sobre os resultados das eleições, já que as atas foram depositadas no Conselho Constitucional pela Comissão de eleições.
É importante atentar nas manifestações em Moçambique, tal como há alguns meses no Quénia, antes no Uganda ou na Nigéria. Elas mostram que os jovens precisam de uma visão de esperança num contexto de crescente autoritarismo global. Estas manifestações mostram o poder da juventude para enfrentar líderes que não querem deixar o poder e a fraqueza do autoritarismo. E mostram que as soluções para Moçambique têm de partir de nós, moçambicanos e moçambicanas, o que exige que nos reconheçamos como iguais, como humanos, a partir das nossas diferenças, construindo pontes a partir do que nos une, dos que nos
é comum, e é tanto. Superar esta crise, como ontem apelava Tomás Vieira Mário, depende deste caminho, pois nossa casa é Moçambique, como todas as diferenças e diversidades que nos caracterizam e são a nossa marca. É urgente não desperdiçar esta oportunidade para o diálogo.