Na última semana, a política cabo-verdiana foi dominada pelo caso “Babilónia”: um contencioso entre o Governo e a Câmara Municipal da Praia, sobre a posse do complexo habitacional Babilónia, na zona da Prainha — uma localização premium da capital.
Por um lado, o Governo do MpD reivindica a titularidade do complexo. Alega que esta foi oficializada pela Câmara Municipal, durante o anterior mandato de Óscar Santos — sem, contudo, poder apresentar documentos comprovativos da transação.
A atual administração camarária de Francisco Carvalho, do PAICV, contesta, alegando que os terrenos pertenciam comprovadamente ao património municipal.
O Governo acusa o município de “venda irregular” do referido património à empresa Elevolution Engenharia, mas a Câmara assegura que os terrenos foram transacionados com toda a transparência.
Há muito que o nível do debate político cabo-verdiano se encontra em derrocada. Mas é possível que um novo patamar de agressividade tenha sido atingido por Agostinho Lopes, Secretário-Geral do MpD, ao referir-se a Carvalho, em conferência de imprensa como um político “conflituoso, embirrento, desonesto, criminoso, ditador e mau carácter”.
A verdade é que, apesar de ter perseguido Carvalho abertamente por cinco anos, o MpD ainda não conseguiu apresentar provas convincentes dos seus alegados crimes, capazes de consolidar um processo criminal contra Carvalho ou a sua administração.
Muito pelo contrário, é um conjunto de figuras destacadas do MpD que foi formalmente acusado de burla qualificada, lavagem de capital, associação criminosa, falsificação de documentos e corrupção ativa — num processo ligado a uma alegada máfia de terrenos na Praia.
O património fundiário — particularmente na cidade da Praia — constitui a única fonte de receitas independente dos municípios. E, tal como todos os restantes recursos públicos, é utilizado para garantir os interesses privados dos donos do poder político.
Os terrenos municipais podem ser transacionados de forma obscura ou legal — mas sempre de acordo com o interesse financeiro e eleitoral do partido no poder; nunca de acordo com o interesse coletivo, como é visível pelas tragédias sistemáticas que resultam da ocupação desregrada do território.
Neste caso em particular, a incapacidade do MpD de produzir provas contundentes da sua posse do complexo, e a pressa do Ministério Público em analisar o caso — antes dos processos análogos que envolvem as anteriores administrações do MpD — parecem reforçar a ideia de que estamos perante motivações meramente políticas.
Neste momento, o que se depreende da opinião pública é sobretudo um sentimento de anomia. As crises de energia, água, transportes, saúde, educação — para além dos sucessivos escândalos de ética governativa — deixaram-nos com a certeza angustiante de que as maquinações dos detentores do poder político nunca são feitas na defesa dos nossos interesses.
No ideário Rastafari, o termo Babilónia é uma referência bíblica e denomina um sistema político injusto, discriminatório e corrupto, em que um povo pobre e vulnerável é submetido aos interesses de um punhado de poderosos. É tristemente simbólico que seja esta a designação deste último escândalo da democracia cabo-verdiana.