Kopu-Leti é um termo da gíria crioula que designa um filho das elites: alguém que nasceu e cresceu com privilégios económicos e, fundamentalmente, sociais.
Na presente conjuntura – tanto nacional como mundial – as classes médias e trabalhadoras vivem um contexto de perda de direitos e redução de oportunidades.
Infelizmente, também por todo o mundo, existem políticos demagogos que são especialistas em transformar este ressentimento económico legitimo numa raiva destrutiva, contra uma ideia genérica de elites – os nossos “copos de leite”.
No Sábado passado, foram organizadas manifestações cívicas, em várias cidades do país, para protestar contra a situação calamitosa em que se encontram os sectores de energia, água e transportes; e exigir satisfações, perante a total recusa de responsabilização por parte do governo.
Muito rapidamente, as milícias anti-democráticas do Movimento para a Democracia – o partido que suporta o Governo – entraram em acção; e promoveram uma campanha virulenta contra a iniciativa, particularmente contra a organização e os participantes da manifestação na cidade da Praia.
Debocharam do lema – “Do povo, para o povo” – alegando que tanto os organizadores quanto os participantes não passavam de um punhado de “copos de leite” privilegiados, que nunca tiveram qualquer preocupação com o bem estar do povo, e apenas procuram retirar vantagens políticas da crise.
Antes de mais, esta estratégia da classe política – de denegrir qualquer iniciativa que tenha origem entre as alegadas elites sociais – denota um nível alarmante de hipocrisia; pois os políticos que debitam os discursos anti-elites mais inflamados têm – ou ambicionam ter – um padrão de remuneração e um estilo de vida que lhes coloca automaticamente no seio dessas mesmas elites.
Em segundo lugar, deplorar uma iniciativa cívica por ser organizada ou participada por elites revela uma ignorância histórica igualmente alarmante. A esmagadora maioria dos movimentos cívicos dos últimos séculos foi organizada pela burguesia; porque é a burguesia que possui as referências académicas e organizacionais que lhe permitem transformar um sentimento de revolta num movimento político focado e eficaz.
Historicamente, nos movimentos e nos protestos organizados, os números e a força virão de trabalhadoras domésticas, operários, camponeses, e rabidantes; mas as lideranças revolucionárias tendem a encontrar-se entre as classes médias e altas, por conta, simplesmente, das suas competências organizativas.
Infelizmente, na presente conjuntura, esta demagogia barata anti-elites encontra uma certa audiência; uma audiência ingénua, que não se apercebe do extremo privilégio – maioritariamente ilegítimo – em que vivem os promotores dessas narrativas.
Aliás, a grande diferença entre as elites profissionais e sociais que organizaram as manifestações, e as elites políticas que as denunciaram não está, obviamente, no padrão de vida.
A diferença é que as primeiras estão focadas no sucesso do país; enquanto as segundas estão focadas apenas em dominar e sugar todos os seus recursos.