A Câmara Municipal da Praia promove – de 20 a 27 de dezembro – o evento “Merkadu Mix Vibes”, no Mercado do Plateau. O objectivo, segundo a CMP, é “injectar a energia da quadra festiva no coração da capital”.
A alguns metros do mercado, numa feira natalícia na praça Alexandre Albuquerque, um dos expositores acredita que tem todo o direito de pendurar uma potente coluna na armação do seu stand e inundar o centro da cidade com os seus sucessos favoritos.
Na praia de Kebra Kanela, os banhistas mal ouvem as ondas do mar; porque cada um dos restaurantes da marginal impõe-nos a sua selecção, em volume máximo. Naturalmente, tanto a policia nacional quanto a municipal ignoram completamente os regulamentos que lhes permitiriam gerir esta desordem
Esta cacofonia insuportável de colunas de som e gritos de transeuntes – que mantêm longas conversas a partir de lados opostos da rua – faz-se sentir em permanência, por TODA a cidade. Mas piora pelo Natal.
A diferença entre som e ruído não é facilmente determinável. Existem estudos e regulamentos que prescrevem o nível máximo de decibéis permitido em cada zona da cidade. Mas o que cada indivíduo percepciona como barulho nocivo depende da sua configuração socio-económica e cultural.
A origem sociológica da população cabo-verdiana é esmagadoramente rural: uma condição que promove a comunicação constante entre membros de uma família alargada, espalhados pelo quintal, horta e lavoura.
Para além de rurais, somos ferozmente comunitários – o que significa que grande parte da comunicação interpessoal é feita entre grupos; e a comunicação em voz alta é vista como um sinal de inclusão e transparência – de quem não tem nada a esconder. Infelizmente, os comportamentos que são normativos no campo tornam-se tóxicos na cidade.
O espaço que no campo é comunitário, na cidade é público. Deixou de ser partilhado por uma massa social homogénea; e agora é ocupado por uma diversidade enorme de estilos de vida. Na cidade, é imperativo observar normas impessoais sobre detritos, comportamento no espaço público, e ruído.
Há cidades que são inevitavelmente ruidosas – como Nova York – pela sua dimensão exagerada; e pela intensidade da ocupação do território. Mas não é esse, obviamente, o caso da Praia. Aqui, o ruído excessivo não resulta do movimento natural da cidade; e sim dos hábitos sociais dos cidadãos.
Em Nova York, apesar da inevitabilidade do ruído urbano, uma sociedade civil forte – particularmente entre a classe média e elites – consegue mobilizar as autoridades na sua luta tenaz pela preservação de níveis toleráveis de ruído.
Na cidade da Praia nem a sociedade civil tem força; nem as autoridades percebem a necessidade de prevenir a poluição sonora. Muito pelo contrário, as iniciativas oficiais do Estado, municípios e partidos políticos são geralmente acompanhadas por níveis doentios de ruído.
Ao invés de sensibilizar o cidadão para as normas da convivência na cidade, temos um sector público que contribui para a sua insalubridade; tanto ativamente, como por omissão.