Entre 2021 e 2023, três golpes de estado militares – no Mali, Niger e Burkina Faso – abalaram a África Ocidental. Os novos dirigentes
- Nacionalizaram capitais estrangeiros, e recursos mineiros sob gestão europeia;
- Abandonaram a CEDEAO – que consideram presa aos interesses ocidentais – e fundaram uma nova organização de cooperação e defesa mútua: a Aliança dos Estados do Sahel;
- E prometeram – de novo – lutar incansavelmente pela defesa dos interesses africanos.
Este processo atraiu um enorme suporte popular, que ultrapassou as fronteiras nacionais. Em Cabo Verde, a popularidade de Ibrahim Traoré – o líder burkinabe – é evidenciada nas redes sociais pela quantidade de fotos de perfil com a sua imagem; e de publicações que apelam um golpe semelhante em Cabo Verde, que resolva os nossos problemas de governação.
Infelizmente é verificável por toda a África pós-colonial que os golpes de estado raramente apresentam soluções de governação. Na maior parte das vezes, apenas agravam a situação política, económica e social do país; e carregam em si as sementes da instabilidade.
As cliques que ascendem ao poder através de golpes de estado estão dolorosamente cientes que podem ser vitimadas pelos mesmos processos.
O resultado sistemático é um agarramento cada vez mais tóxico ao poder; e, naturalmente, a quebra de todas as promessas anteriores de transição democrática. O próprio Traoré já ultrapassou o prazo que tinha fixado para a entrega do poder, sem oferecer quaisquer previsões para a sua futura realização.
Na semana passada, a Guiné-Bissau sofreu o último dos múltiplos golpes militares da sua existência pós-colonial. O histórico politico da Guiné ilustra com clareza os custos da instabilidade política:
- o isolamento internacional;
- a imprevisibilidade económica
- a fuga do investimento estrangeiro
- E a derrocada da confiança dos cidadãos.
Em Cabo Verde, por razões históricas e estruturais, a possibilidade de um golpe de estado militar é praticamente nula. O desejo – expresso repetidamente por vários segmentos sociais – não passa de uma fantasia desinformada, de cidadãos frustrados com a governação deficiente que suportamos à décadas.
Infelizmente, esta fantasia golpista generalizada revela o simplismo da nossa cultura política e cívica. Por um lado, ignoramos as tragédias de governação que resultam invariavelmente da instabilidade; e engolimos, de forma acrítica, as promessas magnânimas de quem acabou de se assenhorar violentamente do poder
Por outro lado, ignoramos as vias concretas de ativismo político, que estão ao nosso alcance numa democracia, ainda que imperfeita; e, fundamentalmente, perdemos de vista os atributos valiosos do território politico Cabo-verdiano – tal como a estabilidade – que convém preservar a todo o custo.
Felizmente, Cabo Verde não precisa temer golpes; em 35 anos de democracia eleitoral, nunca houve sequer uma contestação dos resultados das urnas – muito menos uma ameaça ao poder constitucional.
Se o presente modelo democrático não satisfaz, a resposta não é a cessação da democracia, e sim o seu alargamento: com uma democratização progressiva das candidaturas; e, fundamentalmente, dom uma participação intensa e sustentada da população na política nacional.