Na semana passada, foi realizada a septuagésima quarta edição do concurso Miss Universo. Cabo Verde esteve presente pela primeira vez, representado por Prissy Gomes – uma cabo-verdiana nascida no Tarrafal de Santiago e residente em Paris.
Gomes já cumpriu um percurso sólido no circuito: foi coroada Miss Cabo Verde em 2017, e representou o país em diversos concursos internacionais desde então. Mas desta vez, a sua actuação no Miss universo 2025 gerou uma forte polémica, que dividiu os internautas cabo-verdianos.
O pomo primordial da discórdia foi o seu péssimo domínio da língua Cabo-verdiana – o que, segundo muitos, torna-a incompetente para representar adequadamente as gentes e a cultura do nosso país.
Contrariamente, numerosas vozes – da Diáspora e não só – afirmaram a legitimidade de Gomes para representar Cabo Verde; e citaram o exemplo da nossa recente qualificação para o Mundial da Fifa – conseguida com uma seleção que integra vários jogadores da diáspora, por vezes nascidos e criados no estrangeiro.
Em primeiro lugar, é falacioso comparar uma conquista atlética coletiva da dimensão do Mundial, estribada no esforço e na perícia – a um evento que reduz mulheres ao papel de animais de exposição.
Em segundo lugar, é verdadeiramente impressionante que cidadãos supostamente esclarecidos acreditem que o palco da Miss Universo é um canal legitimo para a divulgação da cultura cabo-verdiana – seja quem for a nossa representante.
As misses não sobem ao palco para nos impressionar com o seu intelecto; para que apostemos na sua capacidade de criar dinâmicas de transformação – como dizem tantas vezes. O que esperamos das concorrentes num concurso de beleza é tão somente uma demonstração de conformidade canina a um sistema estético e ideológico.
Infelizmente, apesar da ideologia de género MEDONHA que sustenta os concursos de beleza, estes subsistem imperturbáveis pelo mundo inteiro.
Os Cabo-verdianos, em particular, fartam-se de falar do empoderamento feminino e lamentar a coisificação da mulher; mas contraditoriamente, o fascínio por este tipo de evento atravessa todos os segmentos da sociedade.
Em 2019 Cabo Verde celebrou loucamente quando uma sul-africana negra de cabelo crespo foi coroada miss Universo. Certamente por acreditarem que o triunfo de uma negra – numa das competições mais representativas da misoginia do Patriarcado Ocidental – apagaria a injustiça racial que continua a imperar pelo mundo inteiro.
Ao invés de direcionar a sua energia para os fóruns institucionais e comunitários onde o destino da mulher Cabo-verdiana é verdadeiramente decidido, o povo das redes prefere focar-se em eventos estrangeiros; produzidos por uma ideologia radicalmente machista; onde os únicos standards verdadeiramente exigentes referem-se a medidas de cintura e ancas.
É este entendimento superficial de questões políticas fundamentais – como a construção de género – que mantém a maioria dos cidadãos nas democracias contemporâneas presa a sistemas de governação destrutivos para a sua própria sobrevivência.