Como é habitual no final de cada ano civil, o Presidente da República proferiu o seu informe anual sobre a situação geral da nação.
O Presidente centrou o seu discurso no mérito do seu governo, nos primeiros meses do seu mandato, na normalização da vida institucional do país. Como tem sido habitual, os protestos pós-eleitorais foram designados com recurso ao chavão político “manifestações violentas, ilegais e criminosas”. Chapo fez uma inventário exaustivo da destruição de infraestruturas públicas e privadas durante os protestos, assim como de postos de emprego perdidos. Desta forma justificou as dificuldades do governo, que na verdade eram já crónicas, agravadas com o escândalo das dívidas ocultas na década passada. No discurso esqueceu-se de quantificar as vítimas mortais (civis e polícias), durante os confrontos. Num informe sobre o estado da Nação, o Presidente da República, portanto de todos os moçambicanos, inclusive daqueles que participaram nos protestos, ignora as condições políticas que conduziram ao escalar da violência: foi omisso em relação aos processos de viciação dos resultados eleitorais que conduziram à sua vitória, foi omisso em relação ao assassinato de advogados da oposição (crime até hoje por esclarecer), à proibição sistemática de direitos à manisfestação consagrados na Constituição, geralmente alegando apenas “ordens superiores”, à violência desproporcional da polícia sobre manifestantes indefesos, à passividade da Procuradoria, à partidarização dos órgãos eleitorais ou dos tribunais de última instância. E foi omisso sobre as reformas necessárias para que estes problemas não se repitam. Durante o informe anual nada referiu sobre despartidarização, foi bastante vago sobre o processo de descentralização do país ou sobre reformas no sector mineiro ou das terras.
Pouco fala sobre os desafios de modernização da agricultura e de segurança alimentar da população, sobre o ambiente de raptos e receio de investidores, sobre os desafios de negociação de contratos com grandes empresas como a Mozal, a TotalEnergies ou a Kenmare. O conflito em Cabo Delgado continua a ser abordado como se de um problema pontual de terrorismo se tratasse, recusando uma reflexão sobre toda a economia política da região. Na linha de informes anteriores conclui o discurso com um slogan optimista. Segundo o chefe de Estado, o estado da Nação é “de confiança renovada, rumo a desenvolvimento sustentável e inclusivo”. E termina com o já conhecido “vamos trabalhar”. Nos dias seguintes ao discurso, repetiram-se, em vários cantos do país, pequenas marchas de saudação ao Presidente pelo seu informe anual sobre o estado da nação, organizadas pela OJM (Organização da Juventude Moçambicana).
Confundido estabilidade social com normalização das instituições, Chapo e a estrutura da Frelimo iludem-se com o adormecimento de um vulcão social, com epicentro nas grandes zonas urbanas, nos corredores de transporte e nas zonas de implementação da indústria extractiva. Com os problemas estruturais do país por resolver, reproduz-se o risco de eclosão de novas catarses sociais, protagonizada por uma juventude excluída, ávida de mudança e sem nada a perder, Até às próximas eleições, Chapo estará apenas a respirar à superfície. Por este andar, futuras manifestações, classificadas de “criminosas, ilegais e violentas” continuarão a ser geridas com balas da polícia, enfrententado-se um probema de economia política, como se de um assunto de segurança se tratasse.