A célebre frase “O inverno do nosso desassossego” — no início da peça Ricardo III, de William Shakespeare — refere-se à sangrenta “Guerra das Rosas”, que terminou com a vitória da sua dinastia de York e a ascensão do seu irmão, Eduardo IV, ao trono de Inglaterra.
Para o MpD, este tem sido “o verão do desassossego”. Ao longo do passado mês de Agosto, três crises fizeram-se ver e sentir por toda a população, em todo o país, de forma incontornável:
- a tempestade do dia 11, que flagelou a ilha de São Vicente, deixando várias vítimas mortais e uma enormidade de estragos materiais;
- a condenação do Estado, pelo Tribunal Arbitral, a pagar cerca de 40 milhões de euros à CV Interilhas por violação de contrato — um assunto que dominou o último debate do Estado da Nação;
- e a crise do serviço aéreo, que se deflagrou, como habitualmente, no pico do acolhimento da Diáspora.[Text Wrapping Break]
Infelizmente para a maioria, esta estação política nefasta precede, por um punhado de meses, as legislativas de 2026; e desnudou, de forma contundente, o resultado trágico de dois mandatos de má governação.
Em São Vicente, as inundações afectaram desproporcionalmente os bairros periféricos. Revelaram a desigualdade social radical que persiste na ilha, e manifesta-se com particular pujança no acesso à habitação.
Em 2016, o MpD venceu em São Vicente com uma maioria substancial, estribado em duas promessas: a dinamização da economia e a descentralização das decisões políticas de interesse directo da ilha. Contudo, a tempestade do dia 11 revelou que, em quase dez anos de governo, a satisfação destes compromissos não foi sequer aflorada.
Também não houve qualquer progresso no cumprimento do compromisso, assumido pelo MpD de forma central, de sanear o sector dos transportes marítimos — uma prioridade absoluta num país arquipélago.
Mas perante a recente decisão do tribunal abitral, para além da persistência de um serviço marítimo insuficiente para a procura de viajantes e empresas, o Estado de Cabo Verde ainda deverá, em plena depressão pré-eleitoral, pagar um montante absurdo em indemnizações a uma empresa que nunca cumpriu a sua missão.
Quanto aos transportes aéreos, apesar da renovação periódica de promessas, estratégias e esquemas, o bloqueio causado pela avaria de duas aeronaves destinadas a rotas domésticas revelou toda a fragilidade do sistema — isto para além das tarifas excessivas e do péssimo serviço comercial a que já nos habituaram, e que o MpD prometeu solucionar.
Infelizmente para a maioria, este “verão de descontentamento” parece estar longe de acabar, e as consequências dos compromissos rompidos poderão ser duríssimas nas próximas eleições.