Completam-se 8 anos do início da guerra em Cabo Delgado. O conflito pode ser dividido em 4 fases:
De 2017 até meados de 2019, os insurgentes atacaram sobretudo aldeias isoladas, buscando alimentos e provocando deslocações populacionais para as vilas sede distritais. A partir de meados de 2019, coincidindo com a afiliação do grupo ao Estado Islâmico, os rebeldes demonstraram capacidade de atacar sedes de postos administrativo, capturando equipamento militar às forças de defesa e segurança. O grupo passa a atacar vilas sede distritais como Quissanga, Macomia, Muidumbe e Mocímboa da Praia, inclusivamente Palma, o distrito que acolhia um dos maiores projectos de LNG do hemisfério Sul.
A terceira fase iniciou com a entrada em cena da tropa ruandesa em meados de 2021, e mais tarde, do SAMIM e da Tanzânia, empurrando a insurgência para longe dos projectos de gás. Ao mesmo tempo que se reorganizava a Sul do Messalo, a insurgência realizava incursões isoladas por distritos a Sul da província e no Niassa.
A quarta fase coincide com a melhoria do relacionamento dos alshababs com a população da costa, permitindo a recuperação da base social de apoio entre pescadores locais, retirando partido da má relação dos mesmos com a tropa moçambicana. A insurgência torna-se ainda mais forte com a retirada das tropas do SAMIM, altura em que volta a realizar assaltos às vilas sede distritais de Macomia e de Quissanga, perante a passividade do exército moçambicano. Oito anos após o conflito os rebeldes estão novamente atrevidos, realizando ataques nos bairros periféricos do município de Mocímboa da Praia, mas também nos distritos a Sul da província (como Chiúre, Balama e Montepuez), inclusivamente a Sul do rio Lúrio, na província de Nampula.
Os ataques provocam deslocações forçadas, agravando a vulnerabilidade social das populações, que receia deslocar-se aos locais de produção agrícola, agravando a insegurança alimentar. Ao mesmo tempo, e pela primeira vez em muitos anos, Moçambique tornou-se o destino esquecido da ajuda humanitária, perdendo relevância para territórios como a Ucrânia ou a Palestina.
Paradoxalmente, esta semana a ENI anunciou um investimento de 7,2 mil milhões de dólares, cerca de um terço do PIB de Moçambique, num projecto de gás natural liquefeito. Ao longo dos 30 anos de operação espera-se que o novo projeto gere 23 mil milhões de dólares em receitas fiscais para Moçambique. Ao longo deste período a população duplicará dos actuais 30 para 60 milhões, os eventos climáticos extremos serão cada vez mais intensos e destrutivos, absorvendo grande parte das futuras receitas. Ganharão os grupos mais próximos do Estado central, funcionários do sector privado mais próximos da indústria do gás, grande parte a partir de Maputo, e os quadros internacionais. No terreno, persistirá a ideia que o país é rico em recursos naturais, mas que não beneficiam os locais, um terreno bem fértil para a insurgência.