Desde Outubro de 2017, altura em que iniciou o conflito que assolou o Norte de Cabo Delgado, constata-se a falta de uma clara estratégia governamental para lidar com o fenómeno. Nos primeiros meses, o governo foi apresentando ultimatos, dando aos indivíduos armados um curto período de tempo para entregarem as armas, ameaçando com uma resposta violenta.
À medida que a insurgência atacava as múltiplas aldeias, frequentemente com detalhes macabros, aumentavam as deslocações forçadas das populações, que se concentravam nas vilas sede distritais e em Pemba. O governo usava a estratégias de black out informativo. Jornalistas independentes do poder governamental passaram a ser considerados incómodos, e vários foram detidos durante o exercício das suas funções. Não obstante a ansiedade que a guerra e a incerteza geravam sobre a população, as rádios comunitárias locais pura e simplesmente não informavam acerca do conflito. As notícias acerca da guerra circulavam via oral e telefónica, em grupos de WhatsApp ou através de órgãos de comunicação independentes, colocando em risco correspondentes locais.
A situação agravou-se a partir de 2019, com o aumento da iniciativa da insurgência. O grupo havia capturado blindados e veículos motorizados às Forças de Defesa e Segurança de Moçambique, com os quais se fotografavam, e que chegaram a usar no assalto a vilas sede distrais. Até 2021, foram atacadas e temporariamente ocupadas as vilas de Mocímboa, Quissanga, Macomia, Namacande (em Muidumbe) e Palma.
Alguns investigadores nacionais passam a realizar análises sobre as causas do conflito e surgiram explicações assentes na economia política da região. Analisou-se a reconfiguração das relações de poder entre os povos da costa e do interior, a fragilidade do Estado e a exclusão social da população. Análises incidiram sobre o violento processo de penetração do capital extractivo e conflitos com camponeses e pescadores, documentaram-se os massacres nas minas de rubis e as alianças entre o big men locais e o capital internacional. Abordaram-se fenómenos de youth bulge e a ausência de canais de participação e de justiça. Análises históricas centraram-se nas relações da população local com a costa Oriental africana, e tensões existentes no seio do Islão, relacionadas com as diversas vagas de expansão pela região. A partir de entrevistas às populações locais, diversos relatórios de jornalistas e de organizações da sociedade civil divulgaram o nome e a biografia de líderes da insurgência, as respectivas motivações de adesão ao grupo armado e discursos reivindicativos. Entre os guerrilheiros nas matas e as respectivas famílias opera-se uma intensa comunicação, que permite o conhecimento detalhado dos modos de vida no interior da insurgência.
Mantendo a lógica de black out informativo, o governo passou a justificar o conflito a partir do terrorismo internacional. Em Agosto de 2021, quase quatro anos após os primeiros ataques, o Presidente da República pronunciou-se finalmente de forma demorada sobre o assunto. Uma hora de discurso resumiu-se essencialmente na seguinte mensagem: o inimigo não tem rosto, não sabemos o que eles querem, nem sabemos como comunicar. Paradoxalmente, nas semanas seguintes anunciava-se o suposto abate de líderes terroristas sem rosto e, portanto, sem grande significado. Apenas mais uma morte, num conflito sinistro, sem nomes.