A província de Cabo Delgado constitui a reserva de importantes recursos naturais, como gás, grafiti, ouro e pedras preciosas, atraindo a atenção e o investimento internacional. Grande parte destes projectos entram em competição com camponeses e pescadores, retirando o acesso à terra e gerando violentos conflitos pelo acesso a pedras preciosas, num processo marcado por violações de direitos humanos.
De capital intensivo, a indústria extractiva tem pouca relação com o tecido económico local, sendo pouco geradora de emprego. Acrescem os elevados benefícios fiscais, a fragilidade do Estado na fiscalização da produção e impactos ambientais, mas também a falta de transparência na gestão de recursos naturais. As iniciativas de responsabilidade social protagonizadas pelas multinacionais beneficiam um reduzido número de famílias e não têm capacidade de transformação estrutural da região: faltam apoios ao sector familiar, aumenta o desemprego juvenil, a informalidade da economia e a insegurança.
Em virtude do elevado centralismo da governação, importantes decisões que afectam milhares de camponeses são tomadas a nível central, com reduzida participação do governo provincial e distrital. Os administradores dos distritos são nomeados em Maputo, com base em critérios de confiança política, estabelecendo-se redes clientelistas com o poder central: não sendo eleitos pela população, os administradores estão mais preocupado em defender os interesses de quem os nomeou, do que da população que, supostamente, deveriam representar.
Constituindo propriedade do Estado, o acesso às terras ou aos recursos minerais estão fortemente condicionados pela facilidade de acesso ao Estado, pelo que os elementos mais próximos do poder central adquirem licenças a preços simbólicos, que depois colocam no mercado, a preços especulativos, em aliança com o capital estrangeiro. Entre a população, proliefera a convicção que o país é rico em recursos naturais, mas que não beneficiam a população, apenas os estrangeiros e uma elite de Maputo, mais próxima do poder central. E é este o discurso apelativo que é utilizado pelos grupos violentos que actuam no Nordeste da província, no processo de mobilização da juventude.
Em resposta, embaixadas e agências de desenvolvimento multiplicam o apoio aquilo que chamam de projectos de resiliência e de coesão social. Jovens locais mais esclarecidos são seleccionados para participar em seminários e workshops onde se abordam temas de paz. Por vezes, os projectos apoiam pequenas iniciativas empreendedoras (de negócios à prestação de serviços sociais), beneficiando classes médias locais mais escolarizadas, com impactos paliativos e promovendo a diferenciação social e conflitualidade. Outras iniciativas envolvem danças, pinturas de murais ou pequenos campeonatos de futebol. Se estes convívios têm o potencial de refoço momentâneo de laços sociais, a verdade é que não promovem transformações estruturais, excendo um impacto meramente paliativo. Problemas de economia política são geridos como se de problemas de ocupação juvenil se tratassem. Não se questiona o processo de penetração do capital e os mecanismos de exclusão social e de conflitualiade. Estes projectos funcionalistas empregam os jovens locais mais esclarecidos, adormecendo a pressão pela contestação social e funcionando como a vaselina, no violento processo de penetração do capital. Constituem como que uma versão pós-colonial da Acção Psicossocial, protagonizada no ocaso do regime colonial.